segunda-feira, 11 de junho de 2007

Concepção integral do Estado e do Direito em Miguel Reale


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


No ano de 1934, Miguel Reale publica sua famosa obra "O Estado Moderno", onde reclama uma concepção do Estado que seja uma integração de ser e de dever ser, de realidade natural e de valor e – com o objetivo de dar ao Integralismo os fundamentos jurídico-institucionais de que este necessitava – esclarece o sentido da Democracia Integral.
O Estado Moderno, ou Estado Integral, constitui o Estado Ético, antitotalitário e antiindividualista, cujo traço mais marcante é a consideração global, integral da realidade e dos problemas, que se opõe, por suposto, à visão unilateral do Liberalismo e do Comunismo.
O Estado Integral, que basear-se-á na concepção integral do Homem e do Universo, tendo como base fundamental a intangibilidade do ente humano e o seu livre-arbítrio, não pode ser, em hipótese alguma, confundido com o Estado totalitário de inspiração hegeliana. Como observa o próprio Reale, "só os ignorantes ou os homens de má fé confundem a concepção integralista do Estado com o Estado Hegeliano".
Para Hegel o Estado constitui "o Espírito enquanto se realiza como consciência do mundo. É a marcha de Deus no mundo que faz com que o Estado exista. Todo Estado, qualquer que ele seja, participa desta essência divina."
Na concepção do filósofo de Stuttgart, o Estado, que consiste no "racional em si e para si", é, portanto, como observa Reale, "a idéia absoluta, a personificação da Ética: tudo que provém dele é de ordem moral, em qualquer direção que se manifeste, porque o Estado não erra."
O Estado Ético da concepção integralista constitui, ao contrário, o Estado subordinado à lei ética. A diferença entre um e outro é, como observa Reale, "essencial: no primeiro a moral subordina-se ao Estado; no segundo, o Estado submete-se ao imperativo moral."
Poucos descreveram o Estado Integral, ou Estado Moderno, tão bem quanto Goffredo da Silva Telles Junior em seu primeiro livro, intitulado "Justiça e júri no Estado Moderno", escrito em 1937 e publicado um ano mais tarde:
"Chamamos Estado Moderno o Estado Ético, antiindividualista e
antitotalitário. Sem ser princípio nem fim ele é o Estado que se
subordina à ordem natural das coisas. Cingindo-se a sua missão de meio,
ordena-se por um ideal de finalidade. Criado para servir ao homem,
orienta-se para os alvos que estejam em conformidade com o destino supremo
do mesmo. (...) O Estado Moderno é antitotalitário porque faz prevalecer o
Moral sobre o Social e o Espiritual sobre o Moral. Reconhecendo a
Iniqüidade da tirania, proclama o princípio da intangibilidade da pessoa
humana. Em conseqüência, submete-se aos transcendentes interesses do homem."
Em 1939/40, nas páginas finais de sua obra Fundamentos do Direito, Miguel Reale começa a determinar os princípios da concepção tridimensional do fenômeno jurídico, que assinala um notável esforço de superação e síntese de explicações unilaterais do Direito.
A Teoria Tridimensional do Direito é a única que compreende o fenômeno jurídico na totalidade de seus elementos constitutivos, merendo, destarte, o título de Teoria Integral do Direito.
Na Teoria Tridimensional – ou Integral – do Direito, a análise - como observa Alfredo Buzaid na recepção a Miguel Reale na Academia Paulista de Letras – "não se cinge ao fato jurídico, porque seria um fato social indistinto e indeterminado, nem apenas à norma jurídica, porque seria simples norma ética, sem valor para o mundo do direito."
A concepção culturalista do Direito do Professor Reale pressupõe – como explica ele em Fundamentos do Direito – "o abandono da antítese 'ser' e 'dever ser', o que não era possível alcançar no plano do idealismo. O nosso culturalismo – prossegue Reale – desenvolve-se no plano realista e assenta-se sobre a consideração de que a pessoa humana é o valor fonte e que são os valores que atribuem força normativa aos fatos. Assim sendo, o direito é uma ordem de fatos integrada em uma ordem de valores, sendo objeto da jurisprudência e da sociologia jurídica."
Isto posto, mister se faz sublinhar que a Teoria Tridimensional do Direito - que constitui, sem sombra de dúvida, o maior legado do brilhante filósofo Miguel Reale ao pensamento jurídico do Brasil e do mundo – é há décadas aplicada por juizes de todas as regiões do nosso País e de inúmeras nações estrangeiras.
Adoraria poder dispor de mais linhas para que melhor expusesse a magnífica concepção integral do Estado e do Direito em nosso Mestre Miguel Reale. Como, todavia, não disponho de mais delas, encerro aqui este texto tão singelo, esperando que ele seja compreendido por todos aqueles que o lerem.

Breve homenagem a Miguel Reale


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy



Ficamos todos profundamente entristecidos com a notícia de que Miguel Reale faleceu, vítima de um enfarto do miocárdio, aos 95 anos de idade, na madrugada de 14 de abril, enquanto dormia em sua casa em São Paulo.
O Brasil e a Humanidade perdem, com a partida de Miguel Reale para a Milícia do Além, um de seus mais brilhantes intelectuais.
Ilustre filósofo, jurista, professor, advogado, ensaísta, poeta, memorialista e Imortal, Miguel Reale foi, em sua juventude, Secretário Nacional de Doutrina e Estudos da Ação Integralista Brasileira e um dos maiores doutrinadores do Integralismo, havendo escrito nesse tempo obras de inegável valor, como “O Estado Moderno” e “O Capitalismo Internacional”.
Fundador do Instituto Brasileiro de Filosofia e da Revista Brasileira de Filosofia, criador da Teoria Tridimensional do Direito e principal mentor do Código Civil de 2002 – que com justiça deveria ser chamado de Código Reale, da mesma forma que o de 1916 é chamado de Código Bevilácqua – Reale sempre lutou pela Democracia e pela Liberdade e foi um mestre para todos nós.
Como Integralista, descendente de imigrantes italianos e estudante de Direito que sou, eu - que recentemente prestei uma modesta homenagem àquele jovem idealista e ex-marxista de São Bento do Sapucaí que, saído das trincheiras da Revolução de 1932, ingressou nas fileiras do Movimento Integralista com o objetivo de ajudar a construir um Brasil maior, melhor e mais justo – sinto-me talvez ainda mais comovido do que a maioria dos brasileiros.
Resta, todavia, a mim e a todos nós, a certeza de que o nome de Reale permanecerá, como um farol, iluminando o futuro da nossa Pátria.

Homenagem ao jovem Miguel Reale


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Gostaria de possuir maior eloqüência e cultura para que melhor pudesse homenagear o grande Miguel Reale, não o fundador do Instituto Brasileiro de Filosofia e da Revista Brasileira de Filosofia, criador da Teoria Tridimensional do Direito e principal mentor do Código Civil de 2002 – que com justiça deveria ser chamado de Código Reale, da mesma forma que o Código de 1916 é chamado de Código Bevilácqua – mas sim o jovem idealista e ex-marxista que, saído das trincheiras da Revolução de 1932, ingressou nas fileiras da Ação Integralista Brasileira.
Nasce Reale em 1910, na legendária cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, que, localizada na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, foi chamada de “Meca do Integralismo” por ter sido o berço do Chefe Plínio Salgado, fundador daquele glorioso movimento patriótico, nacionalista, espiritualista e democrático, e do próprio Miguel Reale, que foi Secretário Nacional de Doutrina da AIB.
Em sua obra “O Estado Moderno”, publicada no ano de 1934, Reale reclama uma concepção do Estado que constitua uma integração de ser e de dever ser, de realidade natural e de valor, e, afim de dar ao Integralismo os fundamentos jurídico-institucionais que a este movimento faltavam, esclarece o sentido da Democracia Integral. Neste livro encontramos a repulsa à compreensão unilateral dos fatos sociais, compreensão esta tão característica de doutrinas como o liberalismo e o marxismo, e a conceituação do Estado Moderno como o Estado Ético, avesso tanto ao individualismo quanto ao totalitarismo.
“O Estado Moderno” recebe crítica favorável de grandes homens de cultura, como Tasso da Silveira, Plínio Barreto, Otávio Tarquínio de Souza e o português Malheiro Dias, e tem, como sua natural continuação, conforme considera Reale, a obra “O Capitalismo Internacional”, publicada em 1935. Neste estudo Reale analisa, com base nos pensamentos de Karl Marx, Arturo Labriola, Werner Sombart, Max Weber e outros, as origens do sistema capitalista e ataca o abusivo capitalismo de trustes e cartéis, onde meia dúzia de argentários, de aves de rapina, se banqueteia à custa da exploração de milhões e milhões de pessoas. Defende Reale a propriedade legítima contra o seu açambarcamento pelos monopólios, monopólios dos quais nós, povos semi-coloniais do Hemisfério Sul, sempre fomos as maiores vítimas.
É ainda em “O Capitalismo Internacional” que Miguel Reale contesta a famosa tese de Lênin segundo a qual o imperialismo seria a última etapa do capitalismo, observando que, ao contrário do que previra o líder bolchevique, vinha o capitalismo assumindo uma “posição nova, de caráter transnacional, ao lado e até mesmo acima do Estado, convertendo-se em seu instrumento: era o ‘Capitalismo Internacional’, representado sobretudo pelas grandes instituições financeiras”, como bem acentua Reale, muitos anos mais tarde, em “Destinos Cruzados”, 1° volume de suas “Memórias” que Gerardo Mello Mourão considera como algo "da mesma linhagem de 'Aus meinem Leben-Dichtung und Warheit', de Goethe" e Austregesilo de Athayde afirma ser o "monumento de uma grande vida".
Foram naquele ano de 1935 também publicadas “Perspectivas Integralistas” e “ABC do Integralismo”, obras de divulgação da Doutrina do Sigma acessíveis não apenas aos que, no dizer de Plínio Salgado, em “Psicologia da Revolução”, “pretendem influir no destino do povo”, mas também ao próprio povo.
“Perspectivas Integralistas”, estudo inicialmente publicado pela Revista Brasileira, nos números 7 e 8, constitui a “Cartilha do Integralismo” totalmente refundida e ampliada e trata de temas como a Nação, o Estado, a Democracia Liberal, a Democracia Integralista, a Família, o Sindicato, o Corporativismo, a Economia, o Novo Direito, a Questão Social, a Centralização Política e a Descentralização Administrativa, o Problema da Cultura, o Problema da Raça e outros, terminando com a conclusão de que o Integralismo, que mantém-se avesso aos preconceitos raciais e opõe-se tanto à liberal-democracia burguesa quanto à ditadura e ao cesarismo, “que sufocam a Liberdade em nome de um interesse de qualquer ordem”, consiste na “realização da Democracia Social e Orgânica, pela identificação progressiva entre Estado e Sociedade, Estado e Nação.”
Já em “ABC do Integralismo”, livro dedicado ao “Chefe [Plínio Salgado], que acordou o povo brasileiro do sonho do liberalismo”, Reale analisa de forma sumária a sociedade liberal do Brasil de seu tempo, mostrando os erros e os vícios de sua estrutura e fotografando com nitidez os aspectos mais característicos e sórdidos da liberal-democracia burguesa, ou seja, da “falsa democracia” que os agentes das oligarquias subservientes aos financistas de Wall Street e da City não cansavam de “endeusar”.
Os inimigos do Integralismo, alguns por ignorância, outros por má fé, acusam o Movimento do Sigma de ser exatamente o contrário daquilo que realmente é. Mas nas obras do jovem Reale encontramos as respostas que evidenciam o fato de nenhuma dessas acusações possuir fundamento.
Aos que acusam o Integralismo de ser um movimento racista, respondemos com as palavras que Reale escreve em “Perspectivas Integralistas”: “O Integralismo mantém-se alheio a todo e qualquer preconceito de raça, preferindo julgar o homem, não pelos aspectos exteriores da cor ou do formato de seus crânios, mas pelos valores morais e cívicos.
“A tese racista não está, nem nunca esteve dentro de nossas cogitações.”
Já aos que afirmam ser anti-semita o movimento criado por Plínio Salgado a 07 de Outubro de 1932, podemos repetir as palavras de Reale em seu magistral artigo “Nós e os fascistas da Europa”, publicado na revista Panorama, por ele dirigida, em 1936: "Do Hitlerismo podemos tirar algumas lições em matéria de organização política e financeira, mas não sabemos em que nos poderia ser útil a tese da superioridade racial, tese que consulta uma situação local.
“Nós brasileiros devemos nos libertar do jugo do capitalismo financeiro e do agiotarismo internacional, sem que para isso abandonemos os princípios éticos para descambarmos até aos preconceitos racistas. A moral não permite que se distinga entre o agiota judeu e o agiota que diz ser cristão; entre o açambarcador que freqüenta a Cúria e o que freqüenta a Sinagoga. O combate ao banqueirismo internacional e aos processos indecorosos dos capitalistas sem pátria, justifica-se no plano moral. E quando a pureza da norma ética está conosco, não se compreende bem qual a necessidade de outras justificações , que podem ser de efeito, mas que certamente são discutíveis."
É importante que essas pessoas lembrem-se, ainda, de que mesmo Karl Marx - um judeu como todos sabem – refere-se ao “judaísmo” como expressão do poderio econômico do capitalismo, não sendo possível, todavia, o qualificarmos de anti-semita.
Àqueles que julgam ser o Integralismo uma doutrina contrária à Democracia e às liberdades públicas, recomendo a leitura de “Integralismo e Democracia”, formidável trabalho publicado por Reale na revista Panorama, em outubro de 1937. É neste texto que Reale, havendo observado que “infelizmente, os nossos inimigos não quiseram nos julgar por aquilo que realmente somos, mas sim pela imagem deturpada que seus ressentimentos e paixões criaram de nós”, afirma: “A Democracia sempre foi o nosso ideal. E foi por amor à Democracia que repudiamos o Liberalismo e o Socialismo que dela se têm servido como mero instrumento, ora para a prepotência das minorias plutocráticas, ora para a exploração demagógica dos sofrimentos populares.”
Faz-se mister sublinhar que a admiração que o jovem Reale expressa, em seus escritos, pela figura do “Duce” Benito Mussolini e pelo fascismo pode ser vista como algo negativo pela maioria das pessoas de hoje que, num completo anacronismo resultante principalmente da campanha difamatória lançada contra o fascismo, há décadas, pelas chamadas “esquerdas” - que conseguiram transformá-lo em sinônimo de nacional-socialismo -, julgam o movimento de Mussolini e a opinião da maioria das pessoas de seu tempo acerca dele muito diversos daquilo que em verdade foram e se esquecem de que Mussolini, que impedira Hitler de anexar a Áustria em 1934 e fizera tudo o quanto era humanamente possível pela manutenção da paz na Europa, só se aliou ao ditador alemão por motivos estratégicos, no final dos anos 30, passando então a Itália a subordinar-se à Alemanha nazista. Na realidade, na década de 1920 e na maior parte da de 1930, era o fascismo visto como a “terza via” entre o capitalismo liberal absorvente e o bolchevismo ateu, sanguinário e escravizador (que, aliás, não era senão um capitalismo de Estado, onde, no lugar dos burgueses, tínhamos, explorando o povo, um pequeno grupo de burocratas) e constituía, antes de tudo, uma reação espiritualista contra o nefando materialismo, uma promessa de primavera, de alvorada após um inverno, uma noite que já se entendia por decênios e decênios.
Cumpre lembrar, ademais, que Mussolini e a doutrina por ele criada foram admirados por Pio XI e por Gandhi, por De Gaulle e Churchill, Franco e Salazar, Perón e Vargas, Pétain e Horty, José Antonio Primo de Rivera e Charles Maurras, D’Annunzio e Marinetti, Gentile e Rocco, Barrès e Valois, Éduard Drumont e Hendrik de Man, Eliade e Cioran, Sir Oswald Mosley e Eoin O’Duffy, Corneliu Codreanu e Szálasy, Menachem Begin e Vladimir Jabotinski, Thomas Edison e Charles Lindberg, T.S Eliot e Wyndham Lewis, Ezra Pound e Fernando Pessoa, Alceu Amoroso Lima e Octavio de Faria, Menotti Del Picchia e Francisco Campos, Olbiano de Mello e Carlos Crisci...
É forçoso ressaltar, todavia, que o Integralismo de Plínio Salgado não é e nunca foi sinônimo de fascismo, sendo inspirado, antes de tudo, na Doutrina Social da Igreja e no pensamento de autores como Alberto Torres, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Farias Brito, Tavares Bastos, Oliveira Vianna e outros.
Hoje - tantos decênios após o fechamento da AIB pela ditadura estadonovista de Getúlio Vargas, que para isso fora pressionada, externamente, pelo governo imperialista de Washington e, internamente, pelas velhas oligarquias, pelo coronelismo que já fora o responsável pelas bárbaras perseguições de que haviam sido vítimas os Integralistas na Bahia de Juracy Magalhães e no Pernambuco de Costa Cavalcanti - o quase centenário e sempre produtivo e lúcido Miguel Reale não é mais um nacionalista e nem tampouco um anticapitalista, mas ainda considera válidos os principais preceitos do Integralismo, ainda reconhece o valor inestimável da obra que nos legou o Mestre Plínio Salgado, “esse injustiçado”, no dizer de Pedro Paulo Filho, e não tem vergonha nenhuma, antes muito pelo contrário, de afirmar que um dia militou nas coortes do Movimento do Sigma, sonhando em restaurar “no Brasil o primado do Espírito, da Inteligência, da Verdade”, conforme escreve Plínio Salgado em “Psicologia da Revolução”, construindo a Democracia Integral e a verdadeira Liberdade, em oposição à democracia liberal (que de democracia nada tem além do nome) e à liberdade burguesa (que não é senão a liberdade do forte explorar o fraco).
Com estas palavras encerro esta pequena homenagem ao jovem Miguel Reale.