sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Setenta e seis anos do "Manifesto de Outubro"



SETENTA E SEIS ANOS DO "MANIFESTO de OUTUBRO"[I]


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy[II]


Há setenta e seis anos, mais precisamente a 07 de outubro de 1932, Plínio Salgado, já então um escritor, jornalista e político nacionalmente consagrado, lançou, em São Paulo, o Manifesto por ele redigido em maio e aprovado em junho pela Sociedade de Estudos Políticos (SEP), núcleo de estudos da problemática política e social brasileira criado em fevereiro daquele ano por um grupo de intelectuais capitaneado por Plínio Salgado. Tal Manifesto, por haver sido divulgado no referido mês, entrou para a História como “Manifesto de Outubro”.
O “Manifesto de Outubro” constitui o primeiro manifesto oficialmente integralista do País – a despeito de haver sido, em nosso sentir, o “Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo”, também da lavra de Plínio Salgado e divulgado em 1931, já um manifesto integralista em virtude de seus princípios doutrinários – e sua divulgação marca o surgimento da Ação Integralista Brasileira (AIB). Esta, que durou apenas cinco anos, sendo extinta por Getúlio Vargas no início da ditadura estadonovista, configurou-se como o primeiro partido de âmbito nacional de nossa História republicana e o primeiro “movimento de massas” do Brasil, reunindo centenas de milhares de pessoas de todos os credos, etnias e classes sociais, assim como uma verdadeira legião de intelectuais do mais alto relevo, que, no dizer do insuspeito Pedro Calmon, “lotaria uma Academia em vez de ocupar uma trincheira” e que formou, na expressão de Gerardo Mello Mourão, o “mais fascinante grupo da inteligência do País”.
O primeiro artigo do “Manifesto de Outubro” trata da concepção integral do Universo e do Homem. Nele, Plínio Salgado, sob profunda influência do Cristianismo, da Doutrina Social da Igreja e do pensamento de Farias Brito, afirma, em suma, que “Deus dirige o destino dos povos”; que o Homem, ser dotado de vocação sobrenatural, tem o dever de praticar sobre a Terra “as virtudes que o elevam e aperfeiçoam”; que o Ente Humano vale pelo trabalho e pelo sacrifício em prol da Família, da Pátria e da Sociedade, bem como pelo estudo, inteligência, honestidade e pelo progresso científico, técnico e artístico “tendo por fim o bem estar da Nação e o elevamento moral das pessoas”; que as riquezas são bens meramente passageiros, não engrandecendo a seus detentores, ao menos que estes cumpram os deveres que lhes são impostos em benefício da Pátria e da Sociedade e que os Homens, do mesmo modo que as classes, “podem e devem viver em harmonia”.
No artigo segundo de seu Manifesto, o autor de “O estrangeiro” defende a Democracia Orgânica, ou Democracia Integral, consagrando o princípio democrático da representação política dos trabalhadores conforme suas categorias profissionais, sistema que está totalmente de acordo com a Doutrina da Igreja a partir de Pio IX e principalmente de Leão XIII.
No artigo terceiro, em que se percebe claramente a influência de Jackson de Figueiredo, Plínio proclama a necessidade da restauração do princípio de Autoridade, entendida pelo ilustre pensador e homem de ação patrício como pressuposto da Liberdade autêntica e efetiva.
No artigo quarto do Manifesto, sob influência de Alberto Torres, de Euclides da Cunha e de outros que estudaram a nossa Terra e o nosso Povo, assim como de Olavo Bilac, José de Alencar, Gonçalves Dias, Couto de Magalhães, Castro Alves e outros poetas e prosadores que serviram e exaltaram a Nação Brasileira e os seus filhos, sob o signo do Tradicionalismo tão vivo em Oliveira Lima e Eduardo Prado e do entusiasmo patriótico do Conde de Afonso Celso, Plínio Salgado sustenta um modelo de Nacionalismo sadio, edificador, justo e equilibrado, tendente ao Universalismo, combatendo o cosmopolitismo e a influência estrangeira, bem como os tão nefastos preconceitos étnicos que levaram muitos de nossos compatriotas a amesquinhar os elementos formadores da Nacionalidade, assim como aqueles que nela se estabeleceram posteriormente.
No artigo quinto, Plínio condena antes e acima de tudo o regionalismo excessivo e o exclusivismo da política estadual em detrimento da política nacional, dando combate aos “partidarismos egoístas”, ao caudilhismo e à luta de classes.
Já no artigo sexto, o futuro autor de “Vida de Jesus” e de “Primeiro, Cristo!” condena as conspirações sem objetivos doutrinários, as revoluções carentes de programas, proclamando que o Integralismo é a “Revolução em marcha”, porém a “Revolução com idéias”, sendo, portanto, “franca, leal e corajosa”.
O artigo sétimo, por seu turno, cuida da questão social tal como a considera a Doutrina Integralista, sob notória influência da Doutrina Social da Igreja e das idéias reformadoras de Rui Barbosa e Pandiá Calógeras, aliás inspiradas acima de tudo na Encíclica “Rerum Novarum”, de Leão XIII, e na obra do Cardeal Mercier. Em tal artigo, o autor de “Literatura e Política” condena tanto o liberal-capitalismo quanto o comunismo, que constituem, com efeito, dois lados de uma mesma moeda: o materialismo. Defende, ainda, o Direito Natural de Propriedade, contra o qual atentam a um só tempo o comunismo e o sistema econômico liberal-capitalista, e sustenta as justas reivindicações dos trabalhadores, que deveriam perceber “salários adequados às suas necessidades”, participar dos lucros das empresas “conforme seu esforço e capacidade” e tomar parte nas decisões governamentais.
O artigo oitavo defende a Família, cellula mater da Sociedade e primeiro dos Grupos Naturais, que, do mesmo modo que a Pessoa Humana, precederam o Estado, que tem o dever de respeitar sua intangibilidade.
O artigo nono, por sua vez, defende o Municipalismo, com fundamento sobretudo nos ensinamentos dos constitucionalistas do Primeiro Reinado e nas observações, já no período republicano, de homens como Gama Rodrigues, ao lado de quem Plínio fundara, na década de 1910, o Partido Municipalista, e Domingos Jaguaribe, a quem o autor de “O esperado” considerava, com justa razão, o “patriarca do Municipalismo”. Neste artigo, o fundador da Sociedade de Estudos Políticos sustenta que o Município, cellula mater da Nação, é uma reunião de pessoas livres e de famílias autônomas, devendo ser autônomo em tudo aquilo que diz respeito a seus interesses peculiares.
Por fim, o artigo décimo do “Manifesto de Outubro” constitui – segundo afirmaria Plínio Salgado em “O Integralismo na vida brasileira”, trabalho que consta da “Enciclopédia do Integralismo”, idealizada e organizada na década de 1950 por Gumercindo Rocha Dorea – “a síntese do Estado Cristão, o resumo da democracia orgânica”, nele sendo traçados os lineamentos da expressão do prestígio internacional da Nação Brasileira, e vivendo o espírito de um Alexandre Gusmão e de um Barão do Rio Branco, bem como o sonho de estadistas lusitanos da estirpe de D. João III, do Conde de Bobadela e do tão injustiçado D. João VI; a firmeza de um José Bonifácio na edificação da unidade e da grandeza nacionais e a ação do Imperador D. Pedro II e do Duque de Caxias, Condestável do Império, na consolidação de tal patrimônio.
O Estado Integral proposto por Plínio Salgado no “Manifesto de Outubro” é – ao contrário do Estado hegeliano que tanto influenciou Mussolini, Gentile, Rocco e outros doutrinadores do Fascismo italiano – um Estado-meio, uma vez que não constitui um fim em si próprio, mas sim um instrumento a serviço do Homem e do Bem Comum, um meio para a edificação da nova Nação Brasileira, una, forte, livre, soberana, justa e efetivamente democrática, salva “dos erros da civilização capitalista e dos erros da barbárie comunista”, reconduzida às bases morais de sua formação e ao caminho de seu destino histórico, dando início à Nova Civilização, que, pela força, audácia e fé do nosso Povo, “faremos partir do Brasil, incendiar o nosso continente, e influir mesmo no Mundo”.
Infelizmente não podendo e não devendo nos estender mais do que já nos estendemos, encerramos por aqui o presente artigo sobre o “Manifesto de Outubro”, documento que trata, ainda que de forma bastante sucinta, de todos os princípios básicos da Doutrina Integralista, posteriormente aprofundados por Plínio Salgado e outros vultos do Movimento do Sigma em outros manifestos, assim como em livros, artigos e discursos.

[I] Artigo a ser publicado na primeira edição do jornal integralista "Nova Offensiva", do Rio de Janeiro.
[II] Victor Emanuel Vilela Barbuy é articulista, acadêmico de Direito, Vice-Presidente e Secretário de Doutrina e Estudos da Frente Integralista Brasileira e 1º Vice-Presidente da Casa de Plínio Salgado.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

75 anos do Manifesto de Outubro

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Há setenta e cinco anos, no dia 07 de Outubro de 1932, Plínio Salgado leu, no Teatro Municipal de São Paulo, o documento de sua autoria que entrou para a História como o “Manifesto de Outubro”. Antes de tratar propriamente deste manifesto, julgo oportuno fazer um breve resumo das atividades realizadas por Plínio até aquele 07 de Outubro.
Nascido na bucólica e tradicional cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, na fronteira entre São Paulo e Minas Gerais, a 22 de janeiro de 1895, Plínio Salgado fundou, em 1913, ao lado de Gama Rodrigues, o Partido Municipalista, primeira agremiação política do Brasil a defender o Município. Pouco tempo depois era redator do “Correio de São Bento”, semanário fundado por ele e seu primo Joaquim Rennó, já tinha trabalhos publicados na “Revista do Brasil”, dirigida por Monteiro Lobato e Paulo Prado, proferia conferências sobre temas cívicos e patrióticos e escrevia sonetos como aqueles reunidos em seu primeiro livro, “Tabor”, de 1919.
Em 1922, já vivendo na Capital Paulista e trabalhando como redator do “Correio Paulistano”, Plínio participou ativamente da ruidosa Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro daquele ano no Teatro Municipal de São Paulo.
Em 1926, publicou “O estrangeiro”, primeiro romance social em prosa modernista de nossa Literatura, considerado por Wilson Martins como a maior realização romanesca da década de 1920, ao lado de “O esperado”, também de Plínio. A obra – recebida com entusiasmo por escritores e críticos literários do porte de Monteiro Lobato, Cassiano Ricardo, Jackson de Figueiredo, Tristão de Athayde, Cândido Mota Filho, José Américo de Almeida, Andrade Muricy, Afrânio Peixoto, Augusto Frederico Schmidt, Francisco Patti e tantos outros não menos ilustres – fez dele um escritor nacionalmente consagrado.
Em 1927 foi eleito Deputado Estadual pelo Partido Republicano Paulista, entrando pelo 2º turno e sendo o candidato mais votado. É uma pena que ele e Menotti Del Picchia, seu grande amigo e companheiro do movimento literário verde-amarelista, também eleito Deputado naquela ocasião, não tenham conseguido, sozinhos, reformar o velho PRP...
A 31 de julho de 1929, o renomado autor de “O estrangeiro” tomou posse na Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira nº 6, cujo patrono é Couto de Magalhães.
Em 1931, ano da publicação de seu romance “O esperado”, o segundo de sua formidável trilogia de romances sociais intitulada “Crônicas da Vida Brasileira”, escreveu Plínio o Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, recebendo elogios de Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Azevedo Amaral, Octavio de Faria e tantos outros.
A 24 de fevereiro de 1932, Plínio fundou, na Sala de Armas do Clube Português, em São Paulo, a Sociedade de Estudos Políticos, que reuniria dezenas de intelectuais preocupados em dar um rumo ao Brasil. E a 23 de maio do mesmo ano, durante os distúrbios ocorridos na Capital Bandeirante, foi empastelado o jornal “A Razão”, que, tendo Alfredo Egydio de Souza Aranha como proprietário e Plínio como diretor e principal redator, revolucionara a imprensa do País,a traindo para suas colunas destacados intelectuais como San Tiago Dantas, Mário Graciotti, Alpínolo Lopes Casali, Silveira Peixoto, Nuto e Leopoldo Sant’Anna e outros. O artigo de abertura daquele jornal, a “Nota Política”, escrita por Plínio Salgado, que nela analisava a situação do País, citando grandes pensadores brasileiros até então esquecidos, era lido com entusiasmo por pessoas de Norte a Sul do País e mesmo de fora dele.
Voltemos ao Manifesto de Outubro, primeiro manifesto político do Brasil a denominar-se integralista, a despeito de o “Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo” já ser, por seu conteúdo doutrinário, um manifesto integralista.
O “Manifesto de Outubro” é inspirado, antes de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de grandes pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Oliveira Lima e Graça Aranha, nas campanhas cívicas e poesias patrióticas de Olavo Bilac e nos igualmente patrióticos poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros.
Às concepções unilaterais do liberalismo e do comunismo, Plínio Salgado opõe, no Manifesto de Outubro, a concepção integral do Universo e do Homem. Á liberal-democracia, ou democracia inorgânica, opõe ele a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica. Em oposição à visão simplista segundo a qual Autoridade e Liberdade seriam termos antitéticos, defende ele a revalorização da primeira, pressuposto para a existência da verdadeira Liberdade. Contra a luta de classes pugna ele, à luz das encíclicas “Rerum novarum” e “Quadragesimo anno”, pela Harmonia Social. Em face do falso nacionalismo propõe o nacionalismo sadio, justo e equilibrado, tendente ao universalismo. Contra as teorias racistas importadas da Europa e dos EUA por nossa burguesia, prega a Harmonia Étnica e a valorização “do caboclo e do negro de nossa terra”. E, por fim, em face dos modelos totalitário e individualista de Estado, sustenta o Estado Integral, o Estado Ético, a um só tempo antitotalitário e antiindividualista, que não é princípio e nem fim e se caracteriza, acima de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e de seu Livre-Arbítrio.
A mensagem do Manifesto de Outubro espalhou-se, como um rastilho de pólvora, por todo o Brasil; centenas de milhares de brasileiros de todos os credos, etnias e classes sociais ingressaram na Ação Integralista Brasileira, que configurou-se como o primeiro “movimento de massas” e o primeiro partido nacional do Brasil, reunindo, inclusive, centenas de intelectuais da mais alta projeção, que fizeram do Integralismo o “mais fascinante grupo da inteligência do País”, no dizer de Gerardo Mello Mourão. Dentre estes intelectuais, destacam-se - além do próprio Plínio e de Gerardo Mello Mourão - Miguel Reale, Gustavo Barroso, Goffredo Telles Junior e seu irmão Ignacio da Silva Telles, Alfredo Buzaid, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Olbiano de Melo, Raymundo Padilha, Hélder Câmara, Madeira de Freitas, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Ernani Silva Bruno, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Lúcio José dos Santos, Alcibíades Delamare, Guerreiro Ramos, Rosalina Coelho Lisboa e inúmeros outros não menos ilustres.

(Publicado no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, a 06 de Outubro de 2007)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Setenta e seis anos da SEP

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Na manhã de 24 de fevereiro de 1932, quando – num prelúdio à Revolução Constitucionalista de 09 de julho daquele ano – uma enorme multidão comprimida na Praça da Sé, no Centro de São Paulo, participava do comício promovido pela Liga Paulista Pró-Constituinte para celebrar o quadragésimo primeiro aniversário da Constituição de 1891, suspensa por Vargas desde sua ascensão ao poder, em novembro de 1930, na sede do jornal “A Razão”, à Rua José Bonifácio, na mesma Capital, reunia-se um grupo de intelectuais liderados por Plínio Salgado para organizar a Sociedade de Estudos Políticos (SEP). A SEP seria uma organização que, partindo do estudo da realidade e dos problemas brasileiros, bem como dos ensinamentos de grandes pensadores nacionais e estrangeiros, estabeleceria um novo rumo para o País, salvando-o da sanguinolenta balbúrdia que nele imperava desde o ocaso do Império e o reconduzindo a sua vocação histórica.
A esta reunião, em que restou decidida a criação da SEP e marcada para 12 de março daquele ano a assembléia de fundação da mesma, compareceram, além de Plínio Salgado, Mário Graciotti, Cândido Mota Filho, Fernando Callage, José de Almeida Camargo, Ataliba Nogueira, Alpínolo Lopes Casali, Mário Zaroni, Leães Sobrinho, Iracy Igayara, João de Oliveira Filho, José Maria Machado, Sebastião Pagano, James Alvim e outros não menos ilustres.
A assembléia de fundação da SEP foi realizada a 12 de março, como previsto, no Salão de Armas do Clube Português, à Avenida São João, esquina do Anhangabaú, hoje Avenida Prestes Maia. O Salão, onde se realizaram, ainda, diversas outras reuniões da SEP, fora emprestado – segundo Mário Graciotti, que foi primeiro secretário da organização – por intermédio de José Maria Machado, funcionário do clube que era “português de nascimento, mas brasileiro de coração”[1].
Mais de uma centena de pessoas esteve presente àquela assembléia, entre escritores, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, estudantes e outros. Além daqueles que já citei ao falar da reunião realizada a 24 de fevereiro no Salão Nobre do matutino “A Razão”, compareceram à assembléia de fundação da SEP: Arlindo Veiga dos Santos, Álvaro de Campos, Alfredo Buzaid, Antônio de Toledo Piza, Rui de Arruda Camargo, Ernani Silva Bruno, Ignacio e Goffredo da Silva Telles, Almeida Salles, Lauro Escorel, Roland Corbisier, Ângelo Simões de Arruda, Pimenta de Castro, Carvalho Pinto e diversos outros, totalizando, como anteriormente afirmei, mais de cem pessoas.
Plínio Salgado, que - vale lembrar - era já àquele momento um escritor, jornalista e político nacionalmente consagrado, abriu a sessão de 12 de março com as seguintes palavras:
“Senhores, por toda a parte ouço a palavra revolução; de todos os lados nos chegam os ecos de ingentes reclamos que, em meio à confusão dominante no País desde Outubro de 1930, apelam para o ‘espírito revolucionário’. Na verdade, tudo indica que o Brasil quer renovar-se, quer tomar posse de si mesmo, quer marchar resolutamente na História. Clama-se por justiça social e por uma mais humana distribuição dos bens; exige-se do Estado que intervenha, com poderes mais amplos, tendentes a moderar os excessos do individualismo e a atender aos interesses da coletividade. Neste momento, congrego-vos para estudarmos os problemas nacionais e traçarmos em conseqüência destes estudos, os rumos definitivos de uma política salvadora. No entanto, quero frisar, com a maior veemência, que procede das profundas convicções espiritualistas inspiradoras do meu pensamento e da minha ação, o seguinte: fala-se de revolução, pedem-se revoluções; pois bem: façamos as que forem necessárias à justiça humana e à saúde da Pátria, mas não nos esqueçamos um instante sequer dos intangíveis direitos da pessoa humana. Peço-vos, senhores, que havendo de reformar, de modificar, de revolucionar, tudo façais se assim vos ditar vossa consciência; mas por favor, meus amigos, não toquemos no Homem”[2].
E acrescentou, de forma apaixonada, o autor de “O estrangeiro”: “O Homem é livre, Deus o fez livre e responsável, e o seu maior tesouro é a sua liberdade, a intangível expressão da sua própria consciência, o caráter que imprime ao que faz e ao que possui, o escudo com que se defende do arbítrio do Estado e da Coletividade e é constituído pelo grupos naturais em que se integra. Assim, repito-vos: não toquemos no Homem e na sua Liberdade”[3].
Ainda nesta reunião, havendo terminado de ler a longa exposição iniciada pelas linhas que acabo de transcrever, Plínio Salgado apresentou os nove princípios básicos da SEP, por ele anteriormente redigidos e que cabe aqui reproduzir:
“- Somos pela unidade da Nação.
- Somos pela expressão de todas as suas forças produtoras no Estado.
- Somos pela implantação do princípio da autoridade, desde que ele traduza forças reais e diretas dos agentes da produção material, intelectual e da expressão moral do nosso povo.
- Somos pela consulta das tradições históricas e das circunstâncias geográficas, climatéricas e econômicas que distinguem nosso país.
- Somos por um programa de coordenação de todas as classes produtoras.
- Somos por um ideal de justiça humana, que realize o máximo de aproveitamento dos meios de produção, em benefício de todos, sem atentar contra o princípio da propriedade, ferido tanto pelo socialismo, como pelo democratismo, nas expressões que aquele dá à coletividade e este ao indivíduo.
- Somos contrários a toda tirania exercida pelo Estado contra o Indivíduo e as suas projeções morais; somos contra a tirania dos Indivíduos contra a ação do Estado e os superiores interesses da Nação.
- Somos contrários a todas as doutrinas que pretendem criar privilégios de raças, de classes, de indivíduos, grupos financeiros ou partidários, mantenedores de oligarquias econômicas ou políticas.
- Somos pela afirmação do pensamento político brasileiro baseado nas realidades da terra, nas circunstâncias do mundo contemporâneo, nas superiores finalidades do Homem e no aproveitamento das conquistas científicas e técnicas do nosso século”[4].
Reuniam-se diariamente as comissões e subcomissões da SEP, que eram organizadas de acordo com as vocações pessoais de cada um dos associados e consoante as categorias dos assuntos: Filosofia, Sociologia, História, Geografia, Literatura, Arte, Economia e Finanças, Pedagogia, Direito Público, Medicina Social[5]. Ademais, eram realizadas sessões plenárias duas ou três vezes por semana.
Na SEP eram estudadas as obras de pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Euclides da Cunha, Oliveira Lima, Oliveira Vianna, Jackson de Figueiredo, Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Calógeras, Alberto e Octavio de Faria, Tristão de Athayde, Conde de Afonso Celso, Graça Aranha e outros, bem como as de autores europeus como os italianos Giovanni Gentile e Alfredo Rocco e o português António Sardinha, maior pensador tradicionalista de seu país e principal líder do movimento patriótico, nacionalista, tradicionalista e monárquico a que chamamos Integralismo Lusitano.
A 06 de maio de 1932, Plínio Salgado propôs a criação de uma seção cujo fim seria o de difundir, em todas as classes sociais, o programa político regenerador da SEP. Tal seção chamar-se-ia Ação Integralista Brasileira.
Foi nomeada, então, uma comissão encarregada da elaboração do Manifesto a ser lançado ao povo, sendo tal comissão constituída por Mota Filho, Almeida Camargo, Ataliba Nogueira e Plínio Salgado, este último designado relator.
Aos 23 dias daquele mês, uma turba enfurecida empastelou e incendiou o jornal A Razão, que por ser um órgão de doutrinação nacionalista, opondo-se, outrossim, a qualquer regionalismo desagregador e, ainda, por ter a consciência de que São Paulo não poderia derrotar em armas a ditadura varguista, foi julgado injustamente como adversário da constitucionalização do Brasil. Terminava, assim, a curta porém gloriosa história do jornal que, graças a Plínio Salgado, se tornara em pouco tempo – na expressão de Virgínio Santa Rosa – o mais perfeito e elevado de quantos hajam sido fundados no Brasil[6]. Fora naquele matutino – que tivera como colaboradores intelectuais do porte de San Tiago Dantas, João Carlos Fairbanks, Silveira Peixoto, Mário Graciotti, Nuto e Leopoldo Sant’Anna, dentre outros de igual ou um pouco menor estatura – que Plínio Salgado revelara – através de seu artigo de abertura diário, intitulado Nota Política e lido com entusiasmo em todo o País e mesmo fora dele – o notável sociólogo que vivia embuçado no igualmente notável romancista, sendo saudado por Tristão de Athayde como a maior revelação do ano[7].
Após empastelar e incendiar as oficinas de A Razão, a multidão dirigiu-se à sede da Legião Revolucionária de São Paulo, cujo Manifesto – magnífico, aliás, como reconheceram Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Octavio de Faria, Azevedo Amaral e tantos outros – fora redigido por Plínio Salgado, que logo se afastara da Legião justamente por vê-la se distanciar das diretrizes por ele traçadas naquele Manifesto.
Ao tentar invadir a sede da Legião Revolucionária, a multidão foi recebida a bala, sendo que a chegada dos homens da Força Pública só fez recrudescer a luta, que culminou em dezenas de feridos e na morte dos estudantes Mário MARTINS de Almeida, Euclides Bueno MIRAGAIA, DRÁUSIO Marcondes de Sousa e Antônio Américo de CAMARGO, cujas iniciais dos nomes pelos quais eram mais conhecidos formaram a famosa sigla MMDC, que acabou por se tornar o nome do principal movimento pela constitucionalização do Brasil.
Como observa Sérgio de Vasconcellos, do incêndio criminoso que destruiu o diário “A Razão” escaparam, “milagrosamente incólumes, uma mesa e uma estante, justamente as que abrigavam os fichários e arquivos da S.E.P. e da Ação Integralista Brasileira”, de modo que Plínio Salgado pode prosseguir em “sua obra de arregimentação das novas inteligências brasileiras”[8].
Em junho, a SEP realizou - segundo Plínio Salgado – duas reuniões, sendo que na primeira delas Plínio leu o anteprojeto de seu Manifesto, havendo ficado deliberado que se tirariam dele diversas cópias a serem distribuídas entre os associados da SEP, a fim de que estes sugerissem a ele reparos, emendas ou acréscimos a serem discutidos.
Na segunda reunião de junho, o Manifesto – que fora redigido por Plínio ao longo de maio, “mês inolvidável” de seus padecimentos, em virtude do empastelamento e incêndio de “A Razão”[9] - foi aprovado, praticamente sem modificações. Estavam São Paulo e o Brasil, porém, às vésperas da inevitável guerra fratricida, de modo que Cândido Mota Filho sugeriu, prudentemente, o adiamento da publicação do Manifesto para momento mais oportuno.
De fato, poucos dias mais tarde, mais precisamente a 09 de julho, estourou a Revolução Constitucionalista, que – a despeito de toda a bravura dos paulistas e demais brasileiros que lutaram pela reconstitucionalização do Brasil – terminou com a inevitável derrota militar das forças constitucionalistas, a 02 de outubro daquele ano, com a assinatura do armistício na cidade valparaibana de Cruzeiro.
Uma vez terminada a Revolução, chegou-se à conclusão de que era finalmente chegado o momento de imprimir e divulgar o Manifesto, que, uma vez impresso, foi distribuído a 07 de outubro de 1932, tornando-se, assim, conhecido como “Manifesto de Outubro”, a despeito de haver sido redigido em maio e aprovado em junho.
Para terminar a presente exposição, julgo oportuno transcrever os três derradeiros parágrafos de meu artigo referente aos setenta e cinco anos do Manifesto que criou, oficialmente, a Ação Integralista Brasileira:
“O ‘Manifesto de Outubro’ é inspirado, antes de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de grandes pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Oliveira Lima e Graça Aranha, nas campanhas cívicas e poesias patrióticas de Olavo Bilac e nos igualmente patrióticos poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros.
Às concepções unilaterais do liberalismo e do comunismo, Plínio Salgado opõe, no Manifesto de Outubro, a concepção integral do Universo e do Homem. Á liberal-democracia, ou democracia inorgânica, opõe ele a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica. Em oposição à visão simplista segundo a qual Autoridade e Liberdade seriam termos antitéticos, defende ele a revalorização da primeira, pressuposto para a existência da verdadeira Liberdade. Contra a luta de classes pugna ele, à luz das encíclicas ‘Rerum novarum’ e ‘Quadragesimo anno’, pela Harmonia Social. Em face do falso nacionalismo propõe o nacionalismo sadio, justo e equilibrado, tendente ao universalismo. Contra as teorias racistas importadas da Europa e dos EUA por nossa burguesia, prega a Harmonia Étnica e a valorização ‘do caboclo e do negro de nossa terra’. E, por fim, em face dos modelos totalitário e individualista de Estado, sustenta o Estado Integral, o Estado Ético, a um só tempo antitotalitário e antiindividualista, que não é princípio e nem fim e se caracteriza, acima de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e de seu Livre-Arbítrio.
A mensagem do Manifesto de Outubro espalhou-se, como um rastilho de pólvora, por todo o Brasil; centenas de milhares de brasileiros de todos os credos, etnias e classes sociais ingressaram na Ação Integralista Brasileira, que configurou-se como o primeiro ‘movimento de massas’ e o primeiro partido nacional do Brasil, reunindo, inclusive, centenas de intelectuais da mais alta projeção, que fizeram do Integralismo o ‘mais fascinante grupo da inteligência do País’, no dizer de Gerardo Mello Mourão. Dentre estes intelectuais, destacam-se - além do próprio Plínio e de Gerardo Mello Mourão - Miguel Reale, Gustavo Barroso, Goffredo Telles Junior e seu irmão Ignacio da Silva Telles, Alfredo Buzaid, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Olbiano de Melo, Raymundo Padilha, Hélder Câmara, Madeira de Freitas, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Ernani Silva Bruno, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Lúcio José dos Santos, Alcibíades Delamare, Guerreiro Ramos, Rosalina Coelho Lisboa e inúmeros outros não menos ilustres”[10].


NOTAS:

[1] Mário Graciotti, “Os deuses governam o mundo”, São Paulo, Nova Época Editorial, 1980, p. 253.
[2] In Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, in “Enciclopédia do Integralismo”, vol. I, Rio de Janeiro, Edições GRD/Livraria Clássica Brasileira, s/d, pp. 144-145.
[3] Idem, p. 145.
[4] In “Plínio Salgado” (obra coletiva), 4ª ed., São Paulo, Edição da Revista Panorama, 1937, p. 35.
[5] Idem, loc. cit..
[6] Virgínio Santa Rosa, in “Plínio Salgado”, op. cit., p. 73.
[7] Idem, loc. cit..
[8] Sérgio de Vasconcellos, “Apêndice histórico sobre o Manifesto de Outubro”. Disponível em http://www.integralismo.org.br/novo/?cont=75&vis=. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.
[9] Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, op. cit., p. 146.
[10] Victor Emanuel Vilela Barbuy, “75 anos do Manifesto de Outubro”, in “O Município”, São João da Boa Vista, 06/10/2007. Também disponível em: http://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com/2007/10/75-anos-do-manifesto-de-outubro.html. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Cento e treze anos de Plínio Salgado


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Há cento e treze anos, no dia 22 de janeiro de 1895, nasceu, na bucólica, pacata, acolhedora e tradicional cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, um dos maiores e mais injustiçados homens de pensamento e ação deste País: Plínio Salgado.
Pensador, escritor, romancista, poeta, jornalista, filósofo, ensaísta, historiador, sociólogo, político e orador dos mais amplos recursos, Plínio Salgado foi, sem sombra de dúvida, o maior doutrinador cristão, patriótico e nacionalista do Brasil, nos legando atualíssimas lições de Cristianismo, de tradicionalismo, civismo, democracia e dos mais sadios, justos, equilibrados e construtivos patriotismo e nacionalismo.
Maior pensador tradicionalista do Brasil ao lado de José Pedro Galvão de Sousa, na opinião do brilhante jusfilósofo espanhol Francisco Elías de Tejada y Spínola, Plínio nos legou obras religiosas da envergadura de “Primeiro, Cristo!”, “A Aliança do sim e do não” e de “Vida de Jesus”, que é “a jóia de uma literatura”, no dizer do Pe. Leonel Franca, havendo sido traduzida para diferentes idiomas e recebido os mais merecidos elogios da parte de diversos dos mais ínclitos escritores, críticos literários, religiosos e pensadores católicos d’aquém e d’além mar.
Os romances sociais em prosa modernista da lavra de Plínio Salgado, em especial o primeiro deles, “O estrangeiro”, receberam os maiores e mais justos elogios, ao longo das décadas, da parte de dezenas dos mais abalizados escritores e críticos literários do País e do exterior, de Monteiro Lobato a Wilson Martins, de Menotti Del Picchia a Tristão de Athayde, de Cassiano Ricardo a Jackson de Figueiredo, de Tasso da Silveira a Agripino Grieco, de Afrânio Peixoto a Amândio César, de Augusto Frederico Schmidt a Brito Broca, de Cândido Mota Filho a Augusta Garcia Rocha Dorea, de José Américo de Almeida a Fernando Whitaker da Cunha...
Outro romance de sua autoria é “A voz do Oeste”, poema em prosa ambientado no tempo dos bandeirantes e que configurou-se, segundo Juscelino Kubitschek, no “grito” que preparou a edificação de Brasília.
Se o tempo não me fosse tão escasso, trataria das grandes obras políticas e filosóficas de Plínio Salgado, que contêm páginas de impressionante atualidade, conforme observado por Miguel Reale, Gerardo Mello Mourão e tantos outros tão ilustres quanto estes ou um pouco menos.
Não cabe tratar aqui a respeito do Integralismo, o tão denegrido movimento cívico-político fundado por Plínio Salgado e que se configurou no primeiro “movimento de massas” da História do Brasil e no “mais fascinante grupo da inteligência do País”, no dizer de Gerardo Mello Mourão, reunindo dezenas e dezenas de intelectuais da mais alta envergadura, de Miguel Reale a Câmara Cascudo, de Gustavo Barroso a Goffredo Telles Junior e seu irmão, Ignacio da Silva Telles, de Alfredo Buzaid a San Tiago Dantas, de Adonias Filho a Hélder Câmara, de Tasso da Silveira a Gerardo Mello Mourão, de Augusto Frederico Schmidt a Guerreiro Ramos, de Dantas Mota a Rosalina Coelho Lisboa...
Sei – como sabia o Prof. Miguel Reale, ao escrever seu artigo intitulado “O centenário de Plínio Salgado” e publicado em “O Estado de S. Paulo” a 25 de fevereiro de 1995 – que meu pronunciamento não será capaz de fazer justiça ao grande brasileiro e paulista que foi Plínio Salgado, posto que só o tempo o fará. Mas também sei – como o saudoso autor de “O Estado Moderno” e de “Horizontes do Direito e da História” – que Plínio Salgado, assim como o Tenente Siqueira Campos, de quem era sincero admirador, sempre considerou que da Pátria nada se deve esperar, nem mesmo compreensão. E me resta o consolo de que o nome de Plínio Salgado, como afirmou Juscelino Kubitschek, perpetuar-se-á, “como um símbolo iluminando o futuro”.