sábado, 24 de dezembro de 2011

Mensagem de Natal e Ano Novo


Tendo, uma vez mais, a honra e o privilégio de vos dirigir a palavra no umbral de um Natal e Ano Novo, que, segundo esperamos, serão ainda mais felizes e abençoados do que aqueles que os precederam, salientamos que o ano que ora finda foi de considerável progresso para o Movimento do Sigma e para a Frente Integralista Brasileira. Com efeito, a Palavra Sigmática foi muito mais lida e ouvida em 2011, no Brasil e em todo o Orbe Terrestre, do que nos anos recentemente anteriores, e, assim, a Mensagem Integralista foi transmitida a muito mais pessoas e grupos d’aquém e d’além oceano, tendo sempre como referência fundamental a FIB, de sorte que demos largos passos no caminho do fortalecimento de nossa Instituição enquanto escola de civismo, de cultura e de política.  Nos consolidamos, ademais, como referência para diversos outros grupos e movimentos, muitos dos quais portadores de ideais fundamentalmente diversos dos nossos nos campos político e sócio-econômico, a exemplo de alguns dos diferentes movimentos de inspiração “neoconservadora” que vêm surgindo em nosso País e que, assim como nós, defendem as tradições religiosas e morais do Cristianismo, mas que, infelizmente, sustentam, no plano político, a preservação da liberal-democracia, e, no plano sócio-econômico, as infaustas teorias do denominado liberalismo clássico e da chamada “Escola Austríaca”, sem perceber que a liberal-democracia e o liberalismo sócio-econômico representam não apenas a antítese das tradições religiosas e morais cristãs, mas também as principais forças de dissolução destas.

O ano de 2012, que se iniciará, para nós, oficialmente, com o IV Congresso Nacional da FIB, a ser realizado na Cidade de São Paulo do Campo de Piratininga no próximo mês de fevereiro, será, seguramente, de grandes realizações para todos nós, que, sob as bênçãos de Deus, faremos que, para o Bem do Brasil e – por que não dizê-lo? - de todo o Mundo, chegue a mais pessoas e grupos nossa Mensagem de civismo, de patriotismo, de nacionalismo sadio e edificador e do mais lídimo idealismo orgânico. Manteremos, assim, viva a chama do Ideal de recristianização integral do Brasil e de religação deste às suas raízes autênticas, isto é, à sua Tradição, bem como o facho do Ideal de edificação de um Estado Integral, ou seja, de um Estado Ético de Justiça, ético não por ser a própria encarnação da Ética, como querem, dentre outros, Hegel e Gentile [1], mas sim por ser inspirado na Ética, que lhe é anterior e superior, e movido por um ideal ético, como sustentam, dentre outros, Gino Arias, Giorgio Del Vecchio e Miguel Reale [2], e de Justiça não por ser o criador da Justiça, que igualmente lhe é precedente e superior, mas por se pautar nas regras da Justiça e se mover por um ideal de Justiça. É este o "Estado Orgânico Integral Cristão" de que nos fala Alcibíades Delamare [3] e o “Estado Corporativo Cristão” de que nos fala Gustavo Barroso [4], e que não é um princípio ou um fim, mas apenas um meio, um instrumento da Pessoa Humana e do Bem Comum [5], se constituindo, em última análise, no “Estado que vem de Cristo, inspira-se em Cristo, age por Cristo e vai para Cristo”, conforme as inspiradas palavras de Plínio Salgado [6].

Recordando, pois, estas e outras palavras de Plínio Salgado, insigne “Arauto e Apóstolo de Cristianismo e de Brasilidade” e “Bandeirante da Fé e do Império”, como o chamamos algures [7], ou, na expressão de Hipólito Raposo, “o mais eloquente intérprete da Brasilidade” [8], ou, ainda, no dizer de Francisco Elías de Tejada, o “profeta incandescente e sublime de seu povo”, a “encarnação viva do Brasil melhor”, o genial “profeta do Brasil”[9], País que, caso queira ser “autenticamente brasileiro” deve “volver seus olhares para esse apóstolo caboclo, baixinho e nervoso no corpo, porém grandíssimo na alma e na fé” [10]; recordando, enfim, estas e outras palavras deste Mestre - que  como faz salientar João Ameal, escreveu, falou, combateu e apostolizou “sob a luz perene da obediência a Cristo”, empregando argumentos colhidos “nas divinas palavras”, levantando imagens “sugeridas pelas divinas lições”, lançando apelos que “são o eco dos divinos apelos” e tendo como programa a reimplantação, “na consciência dos contemporâneos”, da “figura excelsa do Filho de Deus” e o incitamento no sentido de que O tomassem por modelo e soubessem “voltar ao integral cumprimento da Sua Lei” [11] - julgamos oportuno transcrever, revisto e ampliado, um parágrafo da Mensagem de Natal e Ano Novo que redigimos no ano de 2010 [12]:

É por Cristo que nos levantamos neste grande, nobre e belo Movimento em defesa do Brasil Profundo e de suas mais lídimas tradições, sob o lema “Deus, Pátria e Família”, nobre e elevado como nenhum outro. É por Cristo que nos irmanamos em torno da bandeira azul e branca do Sigma, Sigma que é, com efeito, o símbolo pelo qual os primeiros cristãos helenos identificavam SOTEROS, o Salvador, que não é senão, como bem sabeis, o Nosso Senhor Jesus Cristo. É por Cristo, ainda, que pugnamos pelo Solidarismo Cristão, pregando e praticando a Caridade, a Solidariedade, a Harmonia e a Cooperação entre as Pessoas das diferentes classes sociais, bem como a Justiça Social e o fim do iníquo sistema que instituiu o culto das riquezas materiais, separou a Economia da Ética e transformou o Trabalho e a Propriedade em simples mercadorias regidas pela lei da oferta e da procura e o Mundo em um vasto mercado governado pelo dinheiro e pelo nefando poder deste e onde os Homens valem por aquilo que têm e não por aquilo que são. É por Cristo, ademais, que queremos instaurar uma Sociedade Orgânica e um Estado movido pela Ética e pela Ética transcendido. É por Cristo, enfim, que nos fazemos soldados, bandeirantes da Tradição e da verdadeira e autêntica Revolução, isto é, da Revolução entendida no mais rigoroso e próprio sentido do termo, isto é, compreendida como uma transmutação integral de valores no sentido de recondução do Homem e da Sociedade ao seu princípio, como reedificação do Homem e da Sociedade autênticos.

Como frisamos naquela ocasião, a fim de desfazer possíveis equívocos, a Revolução pela qual pugnamos não é senão aquela mesma Revolução proposta pelo Servo de Deus Fulton Sheen, isto é, “a verdadeira revolução”, “revolução de dentro para fora”, “revolução que mude os corações”, “revolução semelhante à que descreve o Magnificat, que foi mil vezes mais revolucionário do que o manifesto de Karl Marx, em 1848” [13], manifesto este que, aliás, consoante igualmente salientamos na referida Mensagem, se configura num plágio do Manifesto da democracia no século XIX, de Victor Considérant, e nada tem de revolucionário no sentido tradicional do vocábulo, uma vez que não rompe com as ideias dominantes em seu tempo, tais como o materialismo, o economicismo e o mito do progresso ilimitado do Homem e da Sociedade.

Consoante igualmente sublinhamos naquele documento, a Revolução que propugnamos não é senão a Revolução de que Plínio Salgado foi – e é – portador, segundo João Ameal, que, em apresentação à obra O Rei dos reis, do autor da Vida de Jesus, evocando a conferência intitulada A aliança do sim e do não e proferida por este no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, no mês de março do ano de 1944, assim se exprime:

“’As verdadeiras revoluções’ – escreveu um dia Péguy – ‘consistem essencialmente em mergulharmos nas inesgotáveis fontes da vida interior. Não são os homens superficiais que podem pôr em marcha tais revoluções – mas os homens capazes de ver e de falar em profundidade’. Porque Plínio Salgado é desses homens capazes de ver e de falar em profundidade, porque não se queda nas aparências transitórias e vai direto ao essencial (só o essencial, aliás, o interessa) – respirava-se, à saída da sua conferência, por entre a banal algazarra da noite citadina, uma atmosfera que se poderia chamar, de fato, revolucionária, no sentido mais exato do termo revolução, que significava volta ao ponto de partida. Exortara-nos o orador a voltar ao ponto de partida, ao Senhor e Criador que está na origem de tudo e a quem devemos regressar com humilde e incondicional adesão se queremos merecer que nos ensine o Caminho, a Verdade e a Vida.

“Revolução prodigiosa. Revolução decisiva – a única decisiva! Como poderemos deixar de ser gratos ao grande camarada de armas que veio dar-lhe tão considerável impulso?” [14].

            É em tal sentido, ademais, que, a 24 de novembro de 1900, o então jovem deputado carlista por Tolosa, Víctor Pradera, emprega o termo Revolução, em discurso em defesa da causa legitimista e tradicionalista do Carlismo:

‘”A revolução, Sres. Deputados, é necessária, é de todo ponto de vista imprenscindível; mas para que esta revolução não seja um crime de lesa-pátria, é preciso que leve em conta as energias vitais do país. A revolução tem que ser um revulsivo rápido e enérgico; mas de maneira alguma pode ser uma sangria solta” [15].

            Neste sentido, a que denominamos tradicional, a Revolução não se opõe à Tradição, antes pelo contrário, sendo defendida, antes e acima de tudo, aliás, como forma de restauração da Ordem Tradicional, com a supressão da atual (des)ordem, que, como todos sabem, nada tem de tradicional, havendo nascido e se desenvolvido sob o signo das nefastas ideias apriorísticas, utópicas, individualistas e antitradicionais do iluminismo e do liberalismo e que não deve, pois, ser conservada, mas, antes, combatida pelos verdadeiros tradicionalistas.

Isto posto, cumpre assinalar, tendo em vista os pseudo-tradicionalistas de plantão, demonizadores de todos aqueles que empregam o termo Revolução em sentido positivo, que mesmo os grandes pensadores tradicionalistas que, diversamente de Plínio Salgado, João Ameal, Víctor Pradera ou Rolão Preto, por exemplo, preferiram empregar o termo Revolução em sentido negativo, a exemplo de António Sardinha, Francisco Elías de Tejada e José Pedro Galvão de Sousa, jamais deixaram de admitir o uso daquela palavra em sentido positivo, do mesmo modo que jamais satanizaram alguém apenas por empregá-la neste sentido. Com efeito, em artigo publicado na revista bilíngue hispano-luso-brasileira de cultura e política tradicionalista Reconquista, José Pedro Galvão de Sousa, logo após haver demonstrado que o tradicionalismo não se confunde com o “passadismo ou conservadorismo”, posto que “no presente pode haver muito elemento contrário à tradição, ou mesmo tradições espúrias, que se formaram em detrimento das autênticas e sãs” e haver salientado que a “tradição não se opõe ao progresso”, sendo, antes, pressuposto do progresso [16], observa que

“Quanto à revolução, sabemos que é uma alteração violenta da ordem política. Considerada sob esse prisma conceitual, não implica necessariamente numa concepção filosófica oposta ao tradicionalismo. Pode dar-se por exemplo, o caso de uma revolução cujo escopo seja restaurar instituições tradicionais. Surge aqui o problema do direito de revolução, que muitos tradicionalistas admitem. Logo, o revolucionário nem sempre se opõe ao tradicional, desde que se considere a revolução um simples meio de obter transformações políticas  cuja legitimidade depende em primeiro lugar do fim que se tem em vista” [17].

            Francisco Elías de Tejada, por seu turno, em nota que consta duma das páginas de sua obra intitulada La Monarquía Tradicional, esclarece que suas “críticas à revolução destruidora nada têm que ver com a ideia da revolução enquanto restauração, que aparece no pensamento de José Antonio Primo de Rivera a efeitos de política pragmática” [18].

            Já António Sardinha, “o mais ardoroso condutor do Integralismo Lusitano”, na expressão de João Ameal [19], inclusive empregou, por diversas vezes, o termo Revolução em sua acepção positiva, como quando afirmou, em sua Teoria das Cortes Gerais, que, “Como homens de tradição, somos assim renovadores e, como tal, revolucionários [20].

            É este, pois, o sentido da nossa Revolução, pela qual temos lutado e continuaremos lutando, pela restauração da realeza de Cristo e pela instauração de tudo em Cristo, fazendo nosso o brado de Plínio Salgado, “Primeiro, Cristo!”, e pugnando, ademais, para que o Povo deste vasto Império da Terra de Santa Cruz retome a consciência de seu real valor e da augusta missão que está destinado a realizar no Mundo.  

Por Cristo e pela Nação!

Victor Emanuel Vilela Barbuy,

Presidente Nacional da Frente Integralista Brasileira.

São Paulo do Campo de Piratininga, 24 de dezembro de 2011, LXXIX.



Notas:

[1] Hegel, G. W. F. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. de Norberto de Paula Lima. Adaptação e notas de Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997, §§ 257-258, pp. 204-205; GENTILE, Giovanni. Idee fondamentali. In Enciclopedia Italiana do Scienze, Lettere ed Arti. Vol. XIV. Milão: Treves-Treccani-Tumminelli, 1932-X, pp. 847-848. Este texto, não assinado e muitas vezes atribuído a Benito Mussolini, foi escrito a pedido deste por Giovanni Gentile (V. TURI, Gabriele. Giovanni Gentile: Una biografia. Florença: Giunti Editore, 1995, p. 426; GREGOR, A. James. Phoenix: Fascism in our time. 1ª ed., 4ª reimpr. New Brunswick: Transaction Books, 2009p. 940.).

[2] ARIAS, Gino. Corso di Economia Politica Corporativa. 2ª ed. aumentada e atual. Roma: Società Editrice Del “Foro Italiano”, 1937-XV, p. XVIII; Idem. Manual de Economía Política. Buenos Aires: L. Lajouane & Cia. – Editores, 1942, p. 410; DEL VECCHIO, Giorgio. Indivíduo, Estado e Corporação (conferência proferida em alemão na Universidade de Zurique em 30 de abril de 1934). Trad. de Marcello Caetano, publicada na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com leves alterações, acréscimos e supressões, introduzidas pelo próprio autor. In Idem. Teoria do Estado. Trad. portuguesa de António Pinto de Carvalho. Prefácio de Miguel Reale. São Paulo: Edição Saraiva, 1957, p. 210; REALE, Miguel. O Estado Moderno: liberalismo, fascismo, integralismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1934, p. 197.

[3] DELAMARE, Alcibíades. Aos moços universitários (resumo, publicado originalmente no jornal A Ofensiva, do discurso proferido a 6 de maio de 1937, no Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro, na ocasião em que o autor ofertou o Pavilhão da Pátria aos universitários integralistas). In Enciclopédia do Integralismo, vol. II. Rio de Janeiro: GRD/Livraria Clássica Brasileira, s/d, p. 72.

 [4] BARROSO, Gustavo. Comunismo, Cristianismo, Corporativismo. Rio de Janeiro: Editora ABC Limitada, 1938, p. 97.

[5] Nesse sentido v, p. ex.: DELAMARE, Alcibíades. Aos moços universitários, cit., loc. cit; SALGADO, Plínio. Estado Totalitário e Estado Integral (artigo publicado originalmente no jornal A Ofensiva, do Rio de Janeiro, a 01 de novembro de 1936). In Idem. Madrugada do Espírito. 4ª ed. In Idem. Obras Completas. 2ª ed., vol. VII. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 443; TELLES JUNIOR, Goffredo. Justiça e Júri no Estado Moderno. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1938, p. 31.

[6] SALGADO, Plínio. Cristo e o Estado Integral (peroração de discurso proferido a 12 de junho de 1937, na Sessão Soleníssima das Cortes do Sigma). In Idem. O Integralismo perante a Nação. 2ª ed. In Idem. Obras Completas. 2ª ed., vol. IX. São Paulo: Editora das Américas, 1959, pp. 201-203.

[7] BARBUY, Victor Emanuel Vilela. Plínio Salgado, Arauto e Apóstolo de Cristianismo de Brasilidade. In O Lince, nova fase, ano 4, nº 31, Aparecida-SP, jan/fev. de 2010, pp. 16-18. Também disponível em: http://www.integralismo.org.br/?cont=781&ox=14&vis=. Acesso em 23 de dezembro de 2011;Idem. Plínio Salgado, Bandeirante da Fé e do Império. Disponível em: http://www.integralismo.org.br/?cont=781&ox=71&vis=. Acesso em 23 de dezembro de 2011.

[8] RAPOSO, Hipólito. A notável oração do Dr. Hipólito Raposo. In Uma reportagem histórica (pubicada originalmente no jornal A Voz, de Lisboa, a 23 de junho de 1946). In VV.AA. Plínio Salgado: “in memoriam”. Vol. II. São Paulo: Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado, 1986, p. 189.

[9] ELÍAS DE TEJADA, Francisco. Plínio Salgado na Tradição do Brasil. In VV.AA. Plínio Salgado: “in memoriam”. vol. II, cit., pp. 47-48.

[10] Idem, p. 70.

[11] AMEAL, João. Plínio Salgado ou a nova luta por Cristo (artigo a propósito dos livros Como nasceram as cidades do Brasil e A imagem daquela noite, de Plínio Salgado, publicado originalmente na Revista de Cultura Portuguesa Rumo, ano I, nº 6, 1946). In VV.AA. Plínio Salgado: “in memoriam”. vol. II, cit., p.129.

[12] BARBUY, Victor Emanuel Vilela. Mensagem de Natal e Ano Novo. Disponível em: http://www.integralismo.org.br/?cont=781&ox=63&vis=. Acesso em 23 de dezembro de 2011.

[13] SHEEN, Fulton J. Filosofias em luta. Trad. De Cypriano Amoroso Costa. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1946, p. 18.

[14] AMEAL, João. Apresentação. In SALGADO, Plínio. O Rei dos Reis. 5ª ed. (em verdade 6ª). In Idem. Primeiro Cristo!. 4ª ed. (em verdade 5ª). São Paulo/Brasília: Editora Voz do Oeste/Instituto Nacional do Livro, 1979, p. 94. Grifos em itálico no original.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O centenário de Miguel Reale

(Publicado no jornal O Lince, de Aparecida-SP, na edição de março-abril de 2010)

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Pensador, jurista, filósofo, jusfilósofo, professor universitário, advogado, escritor, ensaísta, poeta e memorialista, Miguel Reale (1910-2006) completará cem anos no próximo dia 06 de novembro. Dissemos completará porque o saudoso e inolvidável Mestre permanece vivo em nossos corações e na obra que nos legou e que faz dele uma das mais autênticas e representativas figuras da verdadeira Inteligência brasileira.

Criador da Teoria Tridimensional do Direito, também denominada Teoria Integral do Direito; teórico do Estado Ético e da Democracia Autêntica; mestre do Culturalismo e um dos principais doutrinadores do Integralismo; coordenador da comissão que elaborou o Código Civil de 2002; membro de diversos institutos, academias e sociedades nacionais e internacionais; Doutor Honoris Causa de universidades do Brasil e do exterior e fundador da revista Panorama, do jornal Ação, do Instituto Brasileiro de Filosofia e da Revista Brasileira de Filosofia, Reale contribuiu, como poucos, para o engrandecimento da Cultura brasileira.

O autor de Horizontes do Direito e da História nasceu em São Bento do Sapucaí, no alto da Serra da Mantiqueira, região do Vale Paraíba, sendo filho do Dr. Brás Reale e de D. Felicidade Chiaradia Reale e tendo como avós paternos o Dr. Alfonso Reale e D. Teresa Giordano e como avós maternos o Major Miguel Chiaradia e D. Ana Vieira da Rosa Góes.

Com o falecimento do Major Chiaradia, o Dr. Brás Reale, que fora oficial médico do exército italiano e clinicava em São Bento, resolveu se mudar, com a família, para o Rio de Janeiro.

Na então Capital Federal, o Dr. Reale instalou farmácia e consultório, como era comum naquele tempo. Tudo parecia ir bem, quando, numa infausta noite, as ondas do mar invadiram a farmácia, destruindo tudo o que ali havia.

Desanimado com o sucedido e não desejando retornar a São Bento, o Dr. Brás Reale resolveu se transferir para a cidade mineira de Itajubá, então florescente centro cultural e agrícola.

Em Itajubá, cidade da infância de Miguel Reale, que ali viveu até 1921, a família residiu inicialmente em uma casa alugada, ao lado do mercado, mudando-se depois para o palacete que o Dr. Brás Reale fez construir na esquina da avenida principal, bem defronte à vivenda alpendrada de Venceslau Brás, que então já fora eleito Presidente da República.

Em 1922, Miguel Reale, que fizera os estudos primários em Itajubá, no Colégio Nossa Senhora da Glória, ingressou no Istituto Medio Dante Alighieri, na Capital Paulista, de onde sairia, diplomado, em 1929.

Ao prestar, à última hora, os exames vestibulares para admissão na Faculdade de Direito de São Paulo, a tradicional Academia do Largo de São Francisco, Reale era adepto do socialismo reformista de Carlo Rosselli. Tivera também algum contato com os trotskistas, mas tal contato fora, segundo ele, “breve e desagradável”, pois os trotskistas estavam sempre perdidos em estéreis e intermináveis debates e discussões com os adeptos do stalinismo e versando temas totalmente alheios à realidade e aos problemas nacionais, que os modernistas da Semana de 1922 haviam acendido em seu espírito [1].

Em 1930, Reale apoiou, como boa parte dos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, o vitorioso movimento político-militar liderado por Getúlio Vargas, que não aceitara o triunfo eleitoral de Júlio Prestes, candidato governista, nas eleições presidenciais realizadas no início daquele ano. Logo, porém, Reale, assim como a absoluta maioria dos estudantes da velha Academia, se voltou contra o regime de exceção imposto pela denominada Revolução de Outubro.

Assim, em julho de 1932, quando eclodiu a Revolução Constitucionalista, ingressou ele em um dos batalhões acadêmicos, o Batalhão Ibrahim Nobre, combatendo no sul do Estado de São Paulo.

A 02 de outubro daquele ano, findou a Revolução Constitucionalista, com a assinatura do Armistício de Cruzeiro, que selou a inexorável derrota militar das forças constitucionalistas.

Cinco dias mais tarde, foi lançado, em São Paulo, o chamado Manifesto de Outubro, documento inaugural do Integralismo, cuja mensagem logo se espalhou por todo o País e cujo autor era Plínio Salgado, já então célebre escritor, jornalista e político.

Ainda no referido mês, Reale se encontrou, pela primeira vez, com Plínio Salgado, cujos artigos publicados no jornal A Razão havia lido e apreciado bastante e que era, como ele, natural de São Bento do Sapucaí. Foi então que este o fez sentir “a possibilidade de uma experiência política que viesse realizar dois valores que me pareciam fundamentais: o socialismo em vinculação com a problemática nacional”. Estas seriam, com efeito, ideias dominantes do espírito do futuro autor de Teoria do Direito e do Estado, em cuja obra sempre esteve presente “a tônica da composição social com o problema da liberdade, de um lado, e com o problema da nacionalidade, da questão nacional, de outro” [2].

Em meados de novembro daquele ano, Miguel Reale ingressou na Ação Integralista Brasileira (AIB),que se constituiu no primeiro “movimento de massas” e no primeiro partido de âmbito nacional do País desde o fim do Império e que reuniu dezenas de intelectuais da mais alta distinção, que representavam, segundo o próprio Reale, “o que havia de mais fino na intelectualidade da época” [3].

No mesmo sentido, pondera o poeta cearense Gerardo Mello Mourão, outro lídimo representante da “pujante geração integralista” de que nos fala Gumercindo Rocha Dorea [4], que o Integralismo foi o “mais fascinante grupo da inteligência do País” [5]. Ainda neste diapasão, o liberal e, portanto, insuspeito Roberto Campos recorda, em suas memórias, “o surpreendente fascínio que o Integralismo exerceu em sua geração, particularmente sobre a parte mais intelectualizada” [6], e o igualmente liberal e insuspeito Pedro Calmon observa que a plêiade de intelectuais reunida pelo Integralismo “poderia lotar uma Academia, em vez de ocupar uma trincheira” [7].

Isto posto, cumpre ressaltar que, embora não saibamos que rumos tomaria o Integralismo caso houvesse sido implantado no Brasil, julgamos oportuno estudá-lo, como propõe Fernando Whitaker da Cunha, pela seriedade de seus propósitos e premissas; por ter sido “o primeiro movimento partidário de repercussões nacionais” da República; por haver “pretendido um Direito Popular em moldes brasileiros”; por combater vaidades regionalistas em proveito da Pátria Integral e, antes e acima de tudo, “por pregar um Estado Ético fundado na moral cristã, na dignidade do homem e no culto de Deus, da Nação e da Família” [8].

Secretário de Doutrina da AIB, Reale logo se tornou um dos principais doutrinadores do Integralismo e um dos mais ilustres representates do grupo a que denominamos homens de mil do Integralismo, em paráfrase a Oliveira Vianna, que, nas imorredouras páginas das Instituições políticas brasileiras, nos fala dos “homens de 1000 do Império” [9].

Em 1934, Reale lançou sua primeira obra, O Estado Moderno, que não foi apenas o primeiro livro de autoria de Miguel Reale, mas também o primeiro ensaio editado por José Olympio, recebendo elogios de intelectuais da estatura de Tasso da Silveira, Octávio Tarquínio de Sousa e Plínio Barreto, dentre outros não menos ilustres, e obtendo mesmo repercussão em Portugal, nos trabalhos de Malheiro Dias, como recorda Ronaldo Poletti [10].

O Estado Moderno é sem dúvida a obra em que Reale expõe com mais profundidade a teoria do Estado Ético, ou Estado Integral, que é um Estado transcendido pela Ética e movido pelo ideal Ético, não se podendo confundir com o Estado Ético de inspiração hegeliana, entendido como fonte única e exclusiva do Direito e da Moral e, como ressalta o então jovem doutrinador integralista, “personificação da própria Ética” [11].

O Estado Ético da concepção realeana é um Estado a um só tempo antiindividualista e antitotalitário, se constituindo em uma integração de ser e de dever ser, de realidade natural e de valor, sendo baseado na apreciação integral da Pessoa Humana e de suas projeções morais e éticas e tendo como característica primordial o conceito dinâmico dos Direitos Fundamentais do Homem.

Ainda em 1934, veio a lume o segundo livro de Reale, Formação da política burguesa, magnífico ensaio de cunho histórico-filosófico onde o autor de O ABC do Integralismo cuida de variados assuntos.

No ano de 1935, Reale entregou à publicidade a obra intitulada O capitalismo internacional, em que o autor de Formação da política burguesa trata das origens do capitalismo e contesta a célebre tese de Lênin segundo a qual o imperialismo constituiria a derradeira fase do capitalismo, observando que o sistema capitalista vinha assumindo uma nova posição, de caráter transnacional, ao lado e até acima do Estado, que convertia em seu instrumento. Era o Super-Capitalismo, que engendrara um feudalismo de novo tipo, em que a hierarquia dos feudatários não era de caráter pessoal e nem resultante do poderio militar e da extensão dos domínios territoriais, como fora na denominada Idade Média, provindo tão “somente da massa de capital e do crédito de que cada indivíduo ou sociedade pode dispor” [12].

A 11 de setembro de 1935, Miguel Reale, diplomado em Direito em agosto do ano anterior e já Secretário Nacional de Doutrina da Ação Integralista Brasileira, casou-se com Filomena Pucci, a sua amada Nuce, que conhecera quando ainda era menino, no Istituto Medio Dante Alighieri, de que ambos eram alunos. O casal teria três filhos: Ebe, nascida em 1936; Lívia Maria, nascida em 1941 e já falecida, e Miguel, nascido em 1944.

Em 1º de janeiro de 1936, saiu o primeiro fascículo de Panorama, revista de alta cultura cujo subtítulo era coletânea do pensamento novo e que, dirigida por Miguel Reale, com o auxílio de Rui de Arruda Camargo, a um só tempo redator-chefe e gerente,constituiu, sem dúvida alguma, uma das mais notáveis realizações do gênero em toda a História de nossa imprensa.

A relevância de Panorama – periódico de altíssimo nível, em cujas páginas colaboraram pensadores e escritores do quilate de Plínio Salgado, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, San Tiago Dantas, Gustavo Barroso, Hélio Vianna, Antônio Gallotti, João Carlos Fairbanks, Fernando Callage, Octavio de Faria, Azevedo Amaral, Sebastião Pagano Isaías Alves, dentre outros, incluindo, é claro, o próprio Miguel Reale – foi reconhecida por intelectuais como Oliveira Vianna, Octávio Tarquínio de Sousa, Plínio Barreto e Afrânio Coutinho, que lhe dedicou “entusiástico artigo” publicado no jornal O Imparcial, da Bahia, a 22 de fevereiro de 1937, ressaltando o papel daquela revista na obra de “reconstrução nacional” [13].

Ainda em 1936, Reale, que, por motivos que jamais foram devidamente esclarecidos, fora afastado do cargo de Secretário Nacional de Doutrina da AIB, assumido, então, pelo historiador Ernani Silva Bruno, fundou, com Paulo Paulista de Ulhôa Cintra, Mário Mazzei Guimarães, Benedito Vaz e Eduardo Graziano, o jornal Ação, em cujas páginas colaboraram, além de Reale e de Mazzei Guimarães e Benedito Vaz, estes dois últimos os principais redatores do periódico, Plínio Salgado, Gustavo Barroso, Luís da Câmara Cascudo, San Tiago Dantas, Goffredo Telles Junior, Lauro Escorel, A. B. Cotrim Neto e Ernani Silva Bruno, dentre outros.

O diário Ação se empenhou em todas as numerosas campanhas nacionalistas daquele tempo, incluindo aquela em favor da extração nacional do petróleo, apoiando entusiasticamente a luta de Monteiro Lobato. Este, em entrevista àquele jornal, em 15 de outubro de 1937, declarou que sua “única esperança”, naquele momento, estava nos integralistas [14].

A 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas - se aproveitando da divulgação do “Plano Cohen”, farsa criada pelo General Góis Monteiro, que se apoderara de documento escrito por Olympio Mourão Filho, simulando como seria uma revolução comunista, e o divulgara como se fosse autêntico – instaurou o Estado Novo, mais brutal ditadura da História do Brasil.

Meses mais tarde, mais precisamente a 11 de maio de 1938, um grupo de integralistas liderado por Belmiro Valverde atacou, juntamente com o Tenente Severo Fournier, conhecido liberal, o Palácio Guanabara, residência de Vargas e de sua família, com o objetivo de prender o ditador e depô-lo. Este precipitado ataque, desferido, segundo Plínio Salgado, à revelia sua e dos demais líderes do movimento pela redemocratização do País, que se formava havia meses, custou a desarticulação de todo este movimento, bem como do próprio movimento integralista, que seguia forte, a despeito de a AIB haver sido dissolvida, juntamente com os demais partidos, a 03 de dezembro de 1937, e custou, ademais, a prisão de milhares de pessoas, muitas das quais barbaramente torturadas e algumas até fuziladas, e a consolidação de uma ditadura que, na expressão de Plínio Salgado, “desgraçou o Brasil durante oito anos” [15].

Com o malogro do Levante de 11 de maio, Reale partiu para o exílio na Itália, onde teria contato com o movimento neokantiano que então se desenvolvia na Europa.

Em 1940, ano da publicação de sua Teoria do Direito e do Estado, Reale, que voltara ao Brasil ainda em 1938, se inscreveu no concurso para Professor Catedrático de Filosofia do Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apresentando a tese Fundamentos do Direito. Aprovado, foi empossado a 14 de maio de 1941.

É nas duas obras supracitadas que aparece, pela primeira vez, a Teoria Tridimensional do Direito. Esta, posteriormente desenvolvida nas obras Filosofia do Direito, de 1953, e Teoria Tridimensional do Direito, de 1968, é, sem dúvida, a maior contribuição de Reale ao pensamento jusfilosófico universal, constituindo, na expressão de Cláudio de Cicco, “a maior reação contra o normativismo formalista nos anos 40” [16], tendo sido largamente difundida, como sublinha Alfredo Buzaid, em países como Alemanha, Itália, França, Hungria, Polônia, Argentina, México e Brasil [17].

Nomeado para o Departamento Administrativo do Estado de São Paulo, Reale exerceu as funções de Conselheiro de Estado até 1945. Neste ano, que marcou o ocaso da ditadura estadonovista e o início da redemocratização do País, fundou ele, com Marrey Junior e outros, o Partido Popular Sindicalista, cujo manifesto redigiu.

Em 1946, o supracitado partido se fundiu ao Partido Republicano Progressista de Adhemar de Barros e Café Filho e ao Partido Agrário Nacional de Mário Rolim Telles, assim surgindo o Partido Social Progressista (PSP), cujo estatuto e programa se basearam em projetos da autoria de Reale.

Secretário da Justiça e dos Negócios Interiores do Estado de São Paulo em 1947, organizou Reale diversos órgãos de fundamental importância, tais como o Departamento Jurídico do Estado e a Assessoria Técnico-Legislativa, a primeira constituída no Brasil.

Nomeado Reitor da Universidade de São Paulo em 1949, ocupou tal cargo até 1950, reestruturando vários de seus institutos e departamentos e traçando o primeiro plano de expansão universitária no interior do Estado, principiando pela fundação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, cuja pedra fundamental lançou.

A 10 de outubro de 1949, Miguel Reale fundou, com a cooperação de Vicente Ferreira da Silva, Heraldo Barbuy, Renato Cirell Czerna e Luís Washington Vita, o Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF).

Os objetivos capitais do Instituto Brasileiro de Filosofia, realizados com sucesso, foram a valorização dos principais textos dos filósofos nacionais e o estímulo a nossos pensadores, no sentido de elaboração de trabalhos que não constituíssem simples comentários de teorias estrangeiras, mas sim “representassem o ato de pensar em diálogo com autores do Brasil e do estrangeiro, sem subordinação dogmática a determinada linha de pensamento”, assim como a participação do País nos encontros internacionais de Filosofia e a promoção de congressos filosóficos nas diversas unidades da Federação [18].

Em 1951 foi criada, por Reale, a Revista Brasileira de Filosofia, que sem dúvida alguma constitui o maior e mais elevado veículo filosófico de quantos hajam surgido no Brasil e que tem recebido, desde sua fundação, a colaboração de grandes pensadores do Brasil e do exterior.

Em julho do mesmo ano, Reale foi delegado do Governo brasileiro junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, fazendo prevalecer, por meio de votação em plenário, o ponto de vista brasileiro a respeito do salário mínimo nas plantações.

No ano de 1963, o jusfilósofo patrício foi nomeado Secretário de Justiça do Estado de São Paulo por Adhemar Barros, ocupando tal cargo até a eclosão do movimento cívico-político-militar de 1964, de que participou ativamente.

Entre outubro de 1969 e novembro de 1973, Reale ocupou pela segunda vez a Reitoria da Universidade de São Paulo, promovendo, por exemplo, no plano didático, a reforma universitária de que tal instituição ora carecia; no plano urbanístico e arquitetônico, a elaboração de projetos ou conclusão de edifícios destinados a abrigar os diversos institutos básicos recém-criados e no plano cultural, a definitiva institucionalização da Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP).

Foi durante o quadriênio de seu reitorado na Universidade de São Paulo que atingiram um de seus pontos culminantes os trabalhos de preparação de um novo Código Civil, cuja Comissão Revisora e Elaboradora era presidida pelo Professor Reale e que resultaram no Código Civil de 2002.

Falecido em São Paulo a 14 de abril de 2006, Miguel Reale pertenceu à Academia Brasileira de Letras, à Academia Paulista de Letras, à Academia Paulista de Direito, à Academia Paulista de História e à Sociedade Interamericana de Filosofia, de que foi o primeiro presidente, bem como a outras instituições do Brasil e do exterior, e presidiu o Conselho Federal de Cultura por quinze anos, a partir de 1974.

Mesmo afastado da militância política integralista, o autor de O Homem e seus horizontes se manteve fiel a muitos dos princípios do Integralismo, em especial à visão integral da realidade e dos problemas, levando Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima) a afirmar que “a tentação da integralidade sempre foi uma nota dominante na personalidade de Miguel Reale, desde 1934, data em que iniciou sua monumental obra filosófica, a mais importante sem dúvida do movimento filosófico contemporâneo” [19].

Com efeito, como ressalta Cláudio de Cicco, desde Atualidades de um mundo antigo, obra da aurora, até Pluralismo e liberdade, obra do zênite, vemos em Reale a mesma Filosofia da História, a “concepção integral da História” [20], sendo que o mesmo podermos afirmar a respeito de suas concepções de Direito e de Estado, posto que a Teoria Tridimensional do Direito bem poderia se chamar Teoria Integral do Direito, nome, aliás, empregado por Javier García Medina, segundo sugestão do próprio Reale, para designá-la [21], e que o autor de O Estado Moderno sempre se manteve fiel à doutrina do Estado Ético tal como compreendido pela doutrina integralista.

Em fins da década de 1950, o filósofo italiano Michele Federico Sciacca afirmou ser Reale “a personalidade de maior relevo da filosofia brasileira, inclusive pelo impulso dinamizador que lhe deu” [22].

Como frisa Ronaldo Poletti, “a obra de Miguel Reale seria notável em qualquer país, mas para nós adquire relevância singular”, posto que a “carência filosófica brasileira” torna “ainda mais relevante a participação deste jurista e filósofo na elaboração do pensamento brasileiro” [23].

Reclamamos que a imprensa, os governos estadual e federal e as instituições culturais se recordem do centenário do Professor Miguel Reale, prestando ao pensador patrício as homenagens que ele bem merece, e que o Código de 2002 passe a ser universalmente conhecido como Código Miguel Reale, do mesmo modo que o Código de 1916 é conhecido como Código Beviláqua. E sublinhamos que o pensamento do egrégio Mestre segue vivo e atual, se constituindo em verdadeiro modelo para nossos pensadores em geral e juristas e filósofos em particular.


Publicado originalmente no jornal O Lince, de Aparecida do Norte (SP), na edição de março/abril de 2010.



NOTAS:

[1] REALE, Miguel. Memórias, vol. 1, Destinos cruzados. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 35.
[2] REALE, Miguel. O risco é inerente à Democracia. In MOTA, Lourenço Dantas (Coordenador). A História vivida, vol. I. 2ª ed. rev. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1981, p. 325.
[3] REALE, Miguel. Entrevista concedida ao Jornal da USP. Disponível em: http://espacoculturalmiguelreale.blogspot.com/2007/08/entrevista-concedida-pelo-prof-reale-ao.html. Acesso em 20/03/2010.
[4] Citamos de memória.
[5] MOURÃO, Gerardo Mello. Entrevista concedida ao Diário do Nordeste. Disponível em:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=414001. Acesso em 20/03/2010.
[6] CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 843.
[7] CALMON, Pedro. Miguel Calmon – uma grande vida. Prefácio de Afonso Arinos de Melo Franco. Rio de Janeiro/Brasília: José Olympio Editora/INL, 1983, p. 170.
[8] CUNHA, Fernando Whitaker da. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990, p. 325.
[9] VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras – Fundamentos sociais do Estado: Direito Público e cultura. 3ª ed., Vol. 1. Rio de Janeiro: Record, 1974, pp. 313 e ss.
[10] POLETTI, Ronaldo. O pensamento político de Miguel Reale. In Convivium, vol. 25, São Paulo, maio-junho de 1982, pp. 177-204.
[11] REALE, Miguel. O Estado Moderno: liberalismo, fascismo, integralismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1934, p. 197.
[12] REALE, Miguel. O capitalismo internacional. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1935, pp. 38-39.
[13] Cf. REALE, Miguel. Memórias, vol. 1, Destinos cruzados, cit., p. 110.
[14] Idem, p. 113.
[15] SALGADO, Plínio. Livro verde da minha campanha. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1956, p. 114.
[16] CICCO, Cláudio de. História do pensamento jurídico e da ciência política. 3ª ed. reformulada. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 300.
[17] BUZAID, Alfredo. Resposta do Acadêmico Alfredo Buzaid. Revista da Academia Paulista de Letras, n. 91, São Paulo, novembro de 1977, p. 42.
[18] REALE, Miguel. Memórias, vol. 1, Destinos cruzados, cit., p. 220.
[19] ATHAYDE, Tristão de. Modernismo filosófico. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, vol. XXXI, fasc. 121, janeiro-fevereiro-março de 1981, p. 59.
[20] CICCO, Cláudio de. Miguel Reale, filósofo da História. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, vol. LV, fasc. 222, abril-maio-junho de 2006, p. 195.
[21] MEDINA, Gabriel García. Teoría Integral del Derecho en el pensamiento de Miguel Reale. Valladolid, Ediciones Grapheus, 1995.
[22] SCIACCA, Michele Federico apud CARVALHO, José Maurício de. Miguel Reale, filosófo. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, vol. LV, fasc. 222, abril-maio-junho de 2006, p. 159.
[23] POLETTI, Ronaldo. Introdução ao Direito. 3ª ed., revista. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 138.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sete de Setembro

Neste 7 de Setembro celebramos mais um aniversário do grito de D. Pedro I às margens do riacho do Ipiranga, da proclamação de nossa Independência (política), que já existia de fato desde 1808, ano da verdadeira fundação do Império do Brasil pelo grande e injustiçado estadista que foi D. João VI.
Estamos aqui, antes de tudo, para comemorar esta tão relevante data cívica e evocar a memória de D. João VI, D. Pedro I, José Bonifácio e todos os demais próceres da Independência Nacional.
Não estamos aqui, no entanto, apenas para evocar tão ilustres vultos da História Pátria, mas também para proclamar a imperiosa necessidade de realizarmos nossa integral independência econômica em face dos grupos econômico-financeiros internacionais que há decênios vêm obstaculizando nossa marcha rumo à Soberania Integral, desviando o Brasil de sua Missão e Vocação e ameaçando a sua própria existência enquanto Nação.
Estamos aqui, ademais, para proclamar a necessidade, igualmente imperiosa, de acabar com nosso decrépito e mofado modelo de democracia, que nada tem de efetivamente democrático e se inspira totalmente em princípios abstratos de ideologias inautênticas nascidas do Enciclopedismo e do “Iluminismo”, o substituindo por uma Democracia Autêntica, uma Democracia Efetiva, uma Democracia Integral. Esta Democracia, a única verdadeiramente representativa, será caracterizada, antes de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e dos Grupos Sociais e pelo reconhecimento de seus direitos naturais, que devem ser respeitados pelo Estado.
Neste mesmo diapasão, proclamamos que nossa atual Constituição, igualmente abstrata e inautêntica, além de repleta de preceitos inverificáveis na vida real, não é uma verdadeira Constituição, mas sim um estatuto ideológico composto de importações de teorias jurídicas alheias, devendo ser substituída por uma Constituição autêntica e realista. Tal Constituição deve ser a expressão da Constituição Histórica da Nacionalidade Brasileira, da Constituição não escrita decorrente da formação tradicional de nosso povo, da Tradição Integral, da íntima essência nacional, refletindo o País real, o Brasil profundo e autêntico, Brasil em cujo solo, onde dormem os antepassados, elevamos nossas preces a Deus, trabalhamos pelo pão de cada dia e, enfim, tecemos os fios de nossa existência cotidiana.
Estamos aqui, por fim, para proclamar que o Brasil, pela sua unidade espiritual, histórica e geopolítica, tem todos os característicos de um vasto Império, sendo Império desde 1808 e como tal permanecendo até hoje, a despeito da proclamação da República. Devemos defender, pois, a ideia de Império, ideia que não se pode confundir com o chamado imperialismo econômico, político e militar da idade contemporânea, não se fundando, ao contrário deste, em princípios materiais, mas sim sobre algo de transcendente, constituindo uma síntese fundada no Direito Natural Tradicional, no respeito à Pessoa Humana e aos Grupos Naturais e na defesa da Pátria, da Nação e da Tradição.
É, pois, defendendo a necessidade de independência econômica, de construção de uma Nova Democracia, de promulgação de uma Nova Constituição e de dilatação da ideia de Império que celebramos esta data tão relevante de nossa História.

Victor Emanuel Vilela Barbuy, Presidente da Frente Integralista Brasileira
São Paulo, 7 de Setembro de 2009.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Setenta e seis anos do "Manifesto de Outubro"



SETENTA E SEIS ANOS DO "MANIFESTO de OUTUBRO"[I]


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy[II]


Há setenta e seis anos, mais precisamente a 07 de outubro de 1932, Plínio Salgado, já então um escritor, jornalista e político nacionalmente consagrado, lançou, em São Paulo, o Manifesto por ele redigido em maio e aprovado em junho pela Sociedade de Estudos Políticos (SEP), núcleo de estudos da problemática política e social brasileira criado em fevereiro daquele ano por um grupo de intelectuais capitaneado por Plínio Salgado. Tal Manifesto, por haver sido divulgado no referido mês, entrou para a História como “Manifesto de Outubro”.
O “Manifesto de Outubro” constitui o primeiro manifesto oficialmente integralista do País – a despeito de haver sido, em nosso sentir, o “Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo”, também da lavra de Plínio Salgado e divulgado em 1931, já um manifesto integralista em virtude de seus princípios doutrinários – e sua divulgação marca o surgimento da Ação Integralista Brasileira (AIB). Esta, que durou apenas cinco anos, sendo extinta por Getúlio Vargas no início da ditadura estadonovista, configurou-se como o primeiro partido de âmbito nacional de nossa História republicana e o primeiro “movimento de massas” do Brasil, reunindo centenas de milhares de pessoas de todos os credos, etnias e classes sociais, assim como uma verdadeira legião de intelectuais do mais alto relevo, que, no dizer do insuspeito Pedro Calmon, “lotaria uma Academia em vez de ocupar uma trincheira” e que formou, na expressão de Gerardo Mello Mourão, o “mais fascinante grupo da inteligência do País”.
O primeiro artigo do “Manifesto de Outubro” trata da concepção integral do Universo e do Homem. Nele, Plínio Salgado, sob profunda influência do Cristianismo, da Doutrina Social da Igreja e do pensamento de Farias Brito, afirma, em suma, que “Deus dirige o destino dos povos”; que o Homem, ser dotado de vocação sobrenatural, tem o dever de praticar sobre a Terra “as virtudes que o elevam e aperfeiçoam”; que o Ente Humano vale pelo trabalho e pelo sacrifício em prol da Família, da Pátria e da Sociedade, bem como pelo estudo, inteligência, honestidade e pelo progresso científico, técnico e artístico “tendo por fim o bem estar da Nação e o elevamento moral das pessoas”; que as riquezas são bens meramente passageiros, não engrandecendo a seus detentores, ao menos que estes cumpram os deveres que lhes são impostos em benefício da Pátria e da Sociedade e que os Homens, do mesmo modo que as classes, “podem e devem viver em harmonia”.
No artigo segundo de seu Manifesto, o autor de “O estrangeiro” defende a Democracia Orgânica, ou Democracia Integral, consagrando o princípio democrático da representação política dos trabalhadores conforme suas categorias profissionais, sistema que está totalmente de acordo com a Doutrina da Igreja a partir de Pio IX e principalmente de Leão XIII.
No artigo terceiro, em que se percebe claramente a influência de Jackson de Figueiredo, Plínio proclama a necessidade da restauração do princípio de Autoridade, entendida pelo ilustre pensador e homem de ação patrício como pressuposto da Liberdade autêntica e efetiva.
No artigo quarto do Manifesto, sob influência de Alberto Torres, de Euclides da Cunha e de outros que estudaram a nossa Terra e o nosso Povo, assim como de Olavo Bilac, José de Alencar, Gonçalves Dias, Couto de Magalhães, Castro Alves e outros poetas e prosadores que serviram e exaltaram a Nação Brasileira e os seus filhos, sob o signo do Tradicionalismo tão vivo em Oliveira Lima e Eduardo Prado e do entusiasmo patriótico do Conde de Afonso Celso, Plínio Salgado sustenta um modelo de Nacionalismo sadio, edificador, justo e equilibrado, tendente ao Universalismo, combatendo o cosmopolitismo e a influência estrangeira, bem como os tão nefastos preconceitos étnicos que levaram muitos de nossos compatriotas a amesquinhar os elementos formadores da Nacionalidade, assim como aqueles que nela se estabeleceram posteriormente.
No artigo quinto, Plínio condena antes e acima de tudo o regionalismo excessivo e o exclusivismo da política estadual em detrimento da política nacional, dando combate aos “partidarismos egoístas”, ao caudilhismo e à luta de classes.
Já no artigo sexto, o futuro autor de “Vida de Jesus” e de “Primeiro, Cristo!” condena as conspirações sem objetivos doutrinários, as revoluções carentes de programas, proclamando que o Integralismo é a “Revolução em marcha”, porém a “Revolução com idéias”, sendo, portanto, “franca, leal e corajosa”.
O artigo sétimo, por seu turno, cuida da questão social tal como a considera a Doutrina Integralista, sob notória influência da Doutrina Social da Igreja e das idéias reformadoras de Rui Barbosa e Pandiá Calógeras, aliás inspiradas acima de tudo na Encíclica “Rerum Novarum”, de Leão XIII, e na obra do Cardeal Mercier. Em tal artigo, o autor de “Literatura e Política” condena tanto o liberal-capitalismo quanto o comunismo, que constituem, com efeito, dois lados de uma mesma moeda: o materialismo. Defende, ainda, o Direito Natural de Propriedade, contra o qual atentam a um só tempo o comunismo e o sistema econômico liberal-capitalista, e sustenta as justas reivindicações dos trabalhadores, que deveriam perceber “salários adequados às suas necessidades”, participar dos lucros das empresas “conforme seu esforço e capacidade” e tomar parte nas decisões governamentais.
O artigo oitavo defende a Família, cellula mater da Sociedade e primeiro dos Grupos Naturais, que, do mesmo modo que a Pessoa Humana, precederam o Estado, que tem o dever de respeitar sua intangibilidade.
O artigo nono, por sua vez, defende o Municipalismo, com fundamento sobretudo nos ensinamentos dos constitucionalistas do Primeiro Reinado e nas observações, já no período republicano, de homens como Gama Rodrigues, ao lado de quem Plínio fundara, na década de 1910, o Partido Municipalista, e Domingos Jaguaribe, a quem o autor de “O esperado” considerava, com justa razão, o “patriarca do Municipalismo”. Neste artigo, o fundador da Sociedade de Estudos Políticos sustenta que o Município, cellula mater da Nação, é uma reunião de pessoas livres e de famílias autônomas, devendo ser autônomo em tudo aquilo que diz respeito a seus interesses peculiares.
Por fim, o artigo décimo do “Manifesto de Outubro” constitui – segundo afirmaria Plínio Salgado em “O Integralismo na vida brasileira”, trabalho que consta da “Enciclopédia do Integralismo”, idealizada e organizada na década de 1950 por Gumercindo Rocha Dorea – “a síntese do Estado Cristão, o resumo da democracia orgânica”, nele sendo traçados os lineamentos da expressão do prestígio internacional da Nação Brasileira, e vivendo o espírito de um Alexandre Gusmão e de um Barão do Rio Branco, bem como o sonho de estadistas lusitanos da estirpe de D. João III, do Conde de Bobadela e do tão injustiçado D. João VI; a firmeza de um José Bonifácio na edificação da unidade e da grandeza nacionais e a ação do Imperador D. Pedro II e do Duque de Caxias, Condestável do Império, na consolidação de tal patrimônio.
O Estado Integral proposto por Plínio Salgado no “Manifesto de Outubro” é – ao contrário do Estado hegeliano que tanto influenciou Mussolini, Gentile, Rocco e outros doutrinadores do Fascismo italiano – um Estado-meio, uma vez que não constitui um fim em si próprio, mas sim um instrumento a serviço do Homem e do Bem Comum, um meio para a edificação da nova Nação Brasileira, una, forte, livre, soberana, justa e efetivamente democrática, salva “dos erros da civilização capitalista e dos erros da barbárie comunista”, reconduzida às bases morais de sua formação e ao caminho de seu destino histórico, dando início à Nova Civilização, que, pela força, audácia e fé do nosso Povo, “faremos partir do Brasil, incendiar o nosso continente, e influir mesmo no Mundo”.
Infelizmente não podendo e não devendo nos estender mais do que já nos estendemos, encerramos por aqui o presente artigo sobre o “Manifesto de Outubro”, documento que trata, ainda que de forma bastante sucinta, de todos os princípios básicos da Doutrina Integralista, posteriormente aprofundados por Plínio Salgado e outros vultos do Movimento do Sigma em outros manifestos, assim como em livros, artigos e discursos.

[I] Artigo a ser publicado na primeira edição do jornal integralista "Nova Offensiva", do Rio de Janeiro.
[II] Victor Emanuel Vilela Barbuy é articulista, acadêmico de Direito, Vice-Presidente e Secretário de Doutrina e Estudos da Frente Integralista Brasileira e 1º Vice-Presidente da Casa de Plínio Salgado.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

75 anos do Manifesto de Outubro

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Há setenta e cinco anos, no dia 07 de Outubro de 1932, Plínio Salgado leu, no Teatro Municipal de São Paulo, o documento de sua autoria que entrou para a História como o “Manifesto de Outubro”. Antes de tratar propriamente deste manifesto, julgo oportuno fazer um breve resumo das atividades realizadas por Plínio até aquele 07 de Outubro.
Nascido na bucólica e tradicional cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, na fronteira entre São Paulo e Minas Gerais, a 22 de janeiro de 1895, Plínio Salgado fundou, em 1913, ao lado de Gama Rodrigues, o Partido Municipalista, primeira agremiação política do Brasil a defender o Município. Pouco tempo depois era redator do “Correio de São Bento”, semanário fundado por ele e seu primo Joaquim Rennó, já tinha trabalhos publicados na “Revista do Brasil”, dirigida por Monteiro Lobato e Paulo Prado, proferia conferências sobre temas cívicos e patrióticos e escrevia sonetos como aqueles reunidos em seu primeiro livro, “Tabor”, de 1919.
Em 1922, já vivendo na Capital Paulista e trabalhando como redator do “Correio Paulistano”, Plínio participou ativamente da ruidosa Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro daquele ano no Teatro Municipal de São Paulo.
Em 1926, publicou “O estrangeiro”, primeiro romance social em prosa modernista de nossa Literatura, considerado por Wilson Martins como a maior realização romanesca da década de 1920, ao lado de “O esperado”, também de Plínio. A obra – recebida com entusiasmo por escritores e críticos literários do porte de Monteiro Lobato, Cassiano Ricardo, Jackson de Figueiredo, Tristão de Athayde, Cândido Mota Filho, José Américo de Almeida, Andrade Muricy, Afrânio Peixoto, Augusto Frederico Schmidt, Francisco Patti e tantos outros não menos ilustres – fez dele um escritor nacionalmente consagrado.
Em 1927 foi eleito Deputado Estadual pelo Partido Republicano Paulista, entrando pelo 2º turno e sendo o candidato mais votado. É uma pena que ele e Menotti Del Picchia, seu grande amigo e companheiro do movimento literário verde-amarelista, também eleito Deputado naquela ocasião, não tenham conseguido, sozinhos, reformar o velho PRP...
A 31 de julho de 1929, o renomado autor de “O estrangeiro” tomou posse na Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira nº 6, cujo patrono é Couto de Magalhães.
Em 1931, ano da publicação de seu romance “O esperado”, o segundo de sua formidável trilogia de romances sociais intitulada “Crônicas da Vida Brasileira”, escreveu Plínio o Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, recebendo elogios de Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Azevedo Amaral, Octavio de Faria e tantos outros.
A 24 de fevereiro de 1932, Plínio fundou, na Sala de Armas do Clube Português, em São Paulo, a Sociedade de Estudos Políticos, que reuniria dezenas de intelectuais preocupados em dar um rumo ao Brasil. E a 23 de maio do mesmo ano, durante os distúrbios ocorridos na Capital Bandeirante, foi empastelado o jornal “A Razão”, que, tendo Alfredo Egydio de Souza Aranha como proprietário e Plínio como diretor e principal redator, revolucionara a imprensa do País,a traindo para suas colunas destacados intelectuais como San Tiago Dantas, Mário Graciotti, Alpínolo Lopes Casali, Silveira Peixoto, Nuto e Leopoldo Sant’Anna e outros. O artigo de abertura daquele jornal, a “Nota Política”, escrita por Plínio Salgado, que nela analisava a situação do País, citando grandes pensadores brasileiros até então esquecidos, era lido com entusiasmo por pessoas de Norte a Sul do País e mesmo de fora dele.
Voltemos ao Manifesto de Outubro, primeiro manifesto político do Brasil a denominar-se integralista, a despeito de o “Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo” já ser, por seu conteúdo doutrinário, um manifesto integralista.
O “Manifesto de Outubro” é inspirado, antes de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de grandes pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Oliveira Lima e Graça Aranha, nas campanhas cívicas e poesias patrióticas de Olavo Bilac e nos igualmente patrióticos poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros.
Às concepções unilaterais do liberalismo e do comunismo, Plínio Salgado opõe, no Manifesto de Outubro, a concepção integral do Universo e do Homem. Á liberal-democracia, ou democracia inorgânica, opõe ele a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica. Em oposição à visão simplista segundo a qual Autoridade e Liberdade seriam termos antitéticos, defende ele a revalorização da primeira, pressuposto para a existência da verdadeira Liberdade. Contra a luta de classes pugna ele, à luz das encíclicas “Rerum novarum” e “Quadragesimo anno”, pela Harmonia Social. Em face do falso nacionalismo propõe o nacionalismo sadio, justo e equilibrado, tendente ao universalismo. Contra as teorias racistas importadas da Europa e dos EUA por nossa burguesia, prega a Harmonia Étnica e a valorização “do caboclo e do negro de nossa terra”. E, por fim, em face dos modelos totalitário e individualista de Estado, sustenta o Estado Integral, o Estado Ético, a um só tempo antitotalitário e antiindividualista, que não é princípio e nem fim e se caracteriza, acima de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e de seu Livre-Arbítrio.
A mensagem do Manifesto de Outubro espalhou-se, como um rastilho de pólvora, por todo o Brasil; centenas de milhares de brasileiros de todos os credos, etnias e classes sociais ingressaram na Ação Integralista Brasileira, que configurou-se como o primeiro “movimento de massas” e o primeiro partido nacional do Brasil, reunindo, inclusive, centenas de intelectuais da mais alta projeção, que fizeram do Integralismo o “mais fascinante grupo da inteligência do País”, no dizer de Gerardo Mello Mourão. Dentre estes intelectuais, destacam-se - além do próprio Plínio e de Gerardo Mello Mourão - Miguel Reale, Gustavo Barroso, Goffredo Telles Junior e seu irmão Ignacio da Silva Telles, Alfredo Buzaid, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Olbiano de Melo, Raymundo Padilha, Hélder Câmara, Madeira de Freitas, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Ernani Silva Bruno, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Lúcio José dos Santos, Alcibíades Delamare, Guerreiro Ramos, Rosalina Coelho Lisboa e inúmeros outros não menos ilustres.

(Publicado no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, a 06 de Outubro de 2007)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Setenta e seis anos da SEP

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Na manhã de 24 de fevereiro de 1932, quando – num prelúdio à Revolução Constitucionalista de 09 de julho daquele ano – uma enorme multidão comprimida na Praça da Sé, no Centro de São Paulo, participava do comício promovido pela Liga Paulista Pró-Constituinte para celebrar o quadragésimo primeiro aniversário da Constituição de 1891, suspensa por Vargas desde sua ascensão ao poder, em novembro de 1930, na sede do jornal “A Razão”, à Rua José Bonifácio, na mesma Capital, reunia-se um grupo de intelectuais liderados por Plínio Salgado para organizar a Sociedade de Estudos Políticos (SEP). A SEP seria uma organização que, partindo do estudo da realidade e dos problemas brasileiros, bem como dos ensinamentos de grandes pensadores nacionais e estrangeiros, estabeleceria um novo rumo para o País, salvando-o da sanguinolenta balbúrdia que nele imperava desde o ocaso do Império e o reconduzindo a sua vocação histórica.
A esta reunião, em que restou decidida a criação da SEP e marcada para 12 de março daquele ano a assembléia de fundação da mesma, compareceram, além de Plínio Salgado, Mário Graciotti, Cândido Mota Filho, Fernando Callage, José de Almeida Camargo, Ataliba Nogueira, Alpínolo Lopes Casali, Mário Zaroni, Leães Sobrinho, Iracy Igayara, João de Oliveira Filho, José Maria Machado, Sebastião Pagano, James Alvim e outros não menos ilustres.
A assembléia de fundação da SEP foi realizada a 12 de março, como previsto, no Salão de Armas do Clube Português, à Avenida São João, esquina do Anhangabaú, hoje Avenida Prestes Maia. O Salão, onde se realizaram, ainda, diversas outras reuniões da SEP, fora emprestado – segundo Mário Graciotti, que foi primeiro secretário da organização – por intermédio de José Maria Machado, funcionário do clube que era “português de nascimento, mas brasileiro de coração”[1].
Mais de uma centena de pessoas esteve presente àquela assembléia, entre escritores, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, estudantes e outros. Além daqueles que já citei ao falar da reunião realizada a 24 de fevereiro no Salão Nobre do matutino “A Razão”, compareceram à assembléia de fundação da SEP: Arlindo Veiga dos Santos, Álvaro de Campos, Alfredo Buzaid, Antônio de Toledo Piza, Rui de Arruda Camargo, Ernani Silva Bruno, Ignacio e Goffredo da Silva Telles, Almeida Salles, Lauro Escorel, Roland Corbisier, Ângelo Simões de Arruda, Pimenta de Castro, Carvalho Pinto e diversos outros, totalizando, como anteriormente afirmei, mais de cem pessoas.
Plínio Salgado, que - vale lembrar - era já àquele momento um escritor, jornalista e político nacionalmente consagrado, abriu a sessão de 12 de março com as seguintes palavras:
“Senhores, por toda a parte ouço a palavra revolução; de todos os lados nos chegam os ecos de ingentes reclamos que, em meio à confusão dominante no País desde Outubro de 1930, apelam para o ‘espírito revolucionário’. Na verdade, tudo indica que o Brasil quer renovar-se, quer tomar posse de si mesmo, quer marchar resolutamente na História. Clama-se por justiça social e por uma mais humana distribuição dos bens; exige-se do Estado que intervenha, com poderes mais amplos, tendentes a moderar os excessos do individualismo e a atender aos interesses da coletividade. Neste momento, congrego-vos para estudarmos os problemas nacionais e traçarmos em conseqüência destes estudos, os rumos definitivos de uma política salvadora. No entanto, quero frisar, com a maior veemência, que procede das profundas convicções espiritualistas inspiradoras do meu pensamento e da minha ação, o seguinte: fala-se de revolução, pedem-se revoluções; pois bem: façamos as que forem necessárias à justiça humana e à saúde da Pátria, mas não nos esqueçamos um instante sequer dos intangíveis direitos da pessoa humana. Peço-vos, senhores, que havendo de reformar, de modificar, de revolucionar, tudo façais se assim vos ditar vossa consciência; mas por favor, meus amigos, não toquemos no Homem”[2].
E acrescentou, de forma apaixonada, o autor de “O estrangeiro”: “O Homem é livre, Deus o fez livre e responsável, e o seu maior tesouro é a sua liberdade, a intangível expressão da sua própria consciência, o caráter que imprime ao que faz e ao que possui, o escudo com que se defende do arbítrio do Estado e da Coletividade e é constituído pelo grupos naturais em que se integra. Assim, repito-vos: não toquemos no Homem e na sua Liberdade”[3].
Ainda nesta reunião, havendo terminado de ler a longa exposição iniciada pelas linhas que acabo de transcrever, Plínio Salgado apresentou os nove princípios básicos da SEP, por ele anteriormente redigidos e que cabe aqui reproduzir:
“- Somos pela unidade da Nação.
- Somos pela expressão de todas as suas forças produtoras no Estado.
- Somos pela implantação do princípio da autoridade, desde que ele traduza forças reais e diretas dos agentes da produção material, intelectual e da expressão moral do nosso povo.
- Somos pela consulta das tradições históricas e das circunstâncias geográficas, climatéricas e econômicas que distinguem nosso país.
- Somos por um programa de coordenação de todas as classes produtoras.
- Somos por um ideal de justiça humana, que realize o máximo de aproveitamento dos meios de produção, em benefício de todos, sem atentar contra o princípio da propriedade, ferido tanto pelo socialismo, como pelo democratismo, nas expressões que aquele dá à coletividade e este ao indivíduo.
- Somos contrários a toda tirania exercida pelo Estado contra o Indivíduo e as suas projeções morais; somos contra a tirania dos Indivíduos contra a ação do Estado e os superiores interesses da Nação.
- Somos contrários a todas as doutrinas que pretendem criar privilégios de raças, de classes, de indivíduos, grupos financeiros ou partidários, mantenedores de oligarquias econômicas ou políticas.
- Somos pela afirmação do pensamento político brasileiro baseado nas realidades da terra, nas circunstâncias do mundo contemporâneo, nas superiores finalidades do Homem e no aproveitamento das conquistas científicas e técnicas do nosso século”[4].
Reuniam-se diariamente as comissões e subcomissões da SEP, que eram organizadas de acordo com as vocações pessoais de cada um dos associados e consoante as categorias dos assuntos: Filosofia, Sociologia, História, Geografia, Literatura, Arte, Economia e Finanças, Pedagogia, Direito Público, Medicina Social[5]. Ademais, eram realizadas sessões plenárias duas ou três vezes por semana.
Na SEP eram estudadas as obras de pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Euclides da Cunha, Oliveira Lima, Oliveira Vianna, Jackson de Figueiredo, Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Calógeras, Alberto e Octavio de Faria, Tristão de Athayde, Conde de Afonso Celso, Graça Aranha e outros, bem como as de autores europeus como os italianos Giovanni Gentile e Alfredo Rocco e o português António Sardinha, maior pensador tradicionalista de seu país e principal líder do movimento patriótico, nacionalista, tradicionalista e monárquico a que chamamos Integralismo Lusitano.
A 06 de maio de 1932, Plínio Salgado propôs a criação de uma seção cujo fim seria o de difundir, em todas as classes sociais, o programa político regenerador da SEP. Tal seção chamar-se-ia Ação Integralista Brasileira.
Foi nomeada, então, uma comissão encarregada da elaboração do Manifesto a ser lançado ao povo, sendo tal comissão constituída por Mota Filho, Almeida Camargo, Ataliba Nogueira e Plínio Salgado, este último designado relator.
Aos 23 dias daquele mês, uma turba enfurecida empastelou e incendiou o jornal A Razão, que por ser um órgão de doutrinação nacionalista, opondo-se, outrossim, a qualquer regionalismo desagregador e, ainda, por ter a consciência de que São Paulo não poderia derrotar em armas a ditadura varguista, foi julgado injustamente como adversário da constitucionalização do Brasil. Terminava, assim, a curta porém gloriosa história do jornal que, graças a Plínio Salgado, se tornara em pouco tempo – na expressão de Virgínio Santa Rosa – o mais perfeito e elevado de quantos hajam sido fundados no Brasil[6]. Fora naquele matutino – que tivera como colaboradores intelectuais do porte de San Tiago Dantas, João Carlos Fairbanks, Silveira Peixoto, Mário Graciotti, Nuto e Leopoldo Sant’Anna, dentre outros de igual ou um pouco menor estatura – que Plínio Salgado revelara – através de seu artigo de abertura diário, intitulado Nota Política e lido com entusiasmo em todo o País e mesmo fora dele – o notável sociólogo que vivia embuçado no igualmente notável romancista, sendo saudado por Tristão de Athayde como a maior revelação do ano[7].
Após empastelar e incendiar as oficinas de A Razão, a multidão dirigiu-se à sede da Legião Revolucionária de São Paulo, cujo Manifesto – magnífico, aliás, como reconheceram Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Octavio de Faria, Azevedo Amaral e tantos outros – fora redigido por Plínio Salgado, que logo se afastara da Legião justamente por vê-la se distanciar das diretrizes por ele traçadas naquele Manifesto.
Ao tentar invadir a sede da Legião Revolucionária, a multidão foi recebida a bala, sendo que a chegada dos homens da Força Pública só fez recrudescer a luta, que culminou em dezenas de feridos e na morte dos estudantes Mário MARTINS de Almeida, Euclides Bueno MIRAGAIA, DRÁUSIO Marcondes de Sousa e Antônio Américo de CAMARGO, cujas iniciais dos nomes pelos quais eram mais conhecidos formaram a famosa sigla MMDC, que acabou por se tornar o nome do principal movimento pela constitucionalização do Brasil.
Como observa Sérgio de Vasconcellos, do incêndio criminoso que destruiu o diário “A Razão” escaparam, “milagrosamente incólumes, uma mesa e uma estante, justamente as que abrigavam os fichários e arquivos da S.E.P. e da Ação Integralista Brasileira”, de modo que Plínio Salgado pode prosseguir em “sua obra de arregimentação das novas inteligências brasileiras”[8].
Em junho, a SEP realizou - segundo Plínio Salgado – duas reuniões, sendo que na primeira delas Plínio leu o anteprojeto de seu Manifesto, havendo ficado deliberado que se tirariam dele diversas cópias a serem distribuídas entre os associados da SEP, a fim de que estes sugerissem a ele reparos, emendas ou acréscimos a serem discutidos.
Na segunda reunião de junho, o Manifesto – que fora redigido por Plínio ao longo de maio, “mês inolvidável” de seus padecimentos, em virtude do empastelamento e incêndio de “A Razão”[9] - foi aprovado, praticamente sem modificações. Estavam São Paulo e o Brasil, porém, às vésperas da inevitável guerra fratricida, de modo que Cândido Mota Filho sugeriu, prudentemente, o adiamento da publicação do Manifesto para momento mais oportuno.
De fato, poucos dias mais tarde, mais precisamente a 09 de julho, estourou a Revolução Constitucionalista, que – a despeito de toda a bravura dos paulistas e demais brasileiros que lutaram pela reconstitucionalização do Brasil – terminou com a inevitável derrota militar das forças constitucionalistas, a 02 de outubro daquele ano, com a assinatura do armistício na cidade valparaibana de Cruzeiro.
Uma vez terminada a Revolução, chegou-se à conclusão de que era finalmente chegado o momento de imprimir e divulgar o Manifesto, que, uma vez impresso, foi distribuído a 07 de outubro de 1932, tornando-se, assim, conhecido como “Manifesto de Outubro”, a despeito de haver sido redigido em maio e aprovado em junho.
Para terminar a presente exposição, julgo oportuno transcrever os três derradeiros parágrafos de meu artigo referente aos setenta e cinco anos do Manifesto que criou, oficialmente, a Ação Integralista Brasileira:
“O ‘Manifesto de Outubro’ é inspirado, antes de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de grandes pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Oliveira Lima e Graça Aranha, nas campanhas cívicas e poesias patrióticas de Olavo Bilac e nos igualmente patrióticos poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros.
Às concepções unilaterais do liberalismo e do comunismo, Plínio Salgado opõe, no Manifesto de Outubro, a concepção integral do Universo e do Homem. Á liberal-democracia, ou democracia inorgânica, opõe ele a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica. Em oposição à visão simplista segundo a qual Autoridade e Liberdade seriam termos antitéticos, defende ele a revalorização da primeira, pressuposto para a existência da verdadeira Liberdade. Contra a luta de classes pugna ele, à luz das encíclicas ‘Rerum novarum’ e ‘Quadragesimo anno’, pela Harmonia Social. Em face do falso nacionalismo propõe o nacionalismo sadio, justo e equilibrado, tendente ao universalismo. Contra as teorias racistas importadas da Europa e dos EUA por nossa burguesia, prega a Harmonia Étnica e a valorização ‘do caboclo e do negro de nossa terra’. E, por fim, em face dos modelos totalitário e individualista de Estado, sustenta o Estado Integral, o Estado Ético, a um só tempo antitotalitário e antiindividualista, que não é princípio e nem fim e se caracteriza, acima de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e de seu Livre-Arbítrio.
A mensagem do Manifesto de Outubro espalhou-se, como um rastilho de pólvora, por todo o Brasil; centenas de milhares de brasileiros de todos os credos, etnias e classes sociais ingressaram na Ação Integralista Brasileira, que configurou-se como o primeiro ‘movimento de massas’ e o primeiro partido nacional do Brasil, reunindo, inclusive, centenas de intelectuais da mais alta projeção, que fizeram do Integralismo o ‘mais fascinante grupo da inteligência do País’, no dizer de Gerardo Mello Mourão. Dentre estes intelectuais, destacam-se - além do próprio Plínio e de Gerardo Mello Mourão - Miguel Reale, Gustavo Barroso, Goffredo Telles Junior e seu irmão Ignacio da Silva Telles, Alfredo Buzaid, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Olbiano de Melo, Raymundo Padilha, Hélder Câmara, Madeira de Freitas, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Ernani Silva Bruno, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Lúcio José dos Santos, Alcibíades Delamare, Guerreiro Ramos, Rosalina Coelho Lisboa e inúmeros outros não menos ilustres”[10].


NOTAS:

[1] Mário Graciotti, “Os deuses governam o mundo”, São Paulo, Nova Época Editorial, 1980, p. 253.
[2] In Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, in “Enciclopédia do Integralismo”, vol. I, Rio de Janeiro, Edições GRD/Livraria Clássica Brasileira, s/d, pp. 144-145.
[3] Idem, p. 145.
[4] In “Plínio Salgado” (obra coletiva), 4ª ed., São Paulo, Edição da Revista Panorama, 1937, p. 35.
[5] Idem, loc. cit..
[6] Virgínio Santa Rosa, in “Plínio Salgado”, op. cit., p. 73.
[7] Idem, loc. cit..
[8] Sérgio de Vasconcellos, “Apêndice histórico sobre o Manifesto de Outubro”. Disponível em http://www.integralismo.org.br/novo/?cont=75&vis=. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.
[9] Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, op. cit., p. 146.
[10] Victor Emanuel Vilela Barbuy, “75 anos do Manifesto de Outubro”, in “O Município”, São João da Boa Vista, 06/10/2007. Também disponível em: http://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com/2007/10/75-anos-do-manifesto-de-outubro.html. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Cento e treze anos de Plínio Salgado


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Há cento e treze anos, no dia 22 de janeiro de 1895, nasceu, na bucólica, pacata, acolhedora e tradicional cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, um dos maiores e mais injustiçados homens de pensamento e ação deste País: Plínio Salgado.
Pensador, escritor, romancista, poeta, jornalista, filósofo, ensaísta, historiador, sociólogo, político e orador dos mais amplos recursos, Plínio Salgado foi, sem sombra de dúvida, o maior doutrinador cristão, patriótico e nacionalista do Brasil, nos legando atualíssimas lições de Cristianismo, de tradicionalismo, civismo, democracia e dos mais sadios, justos, equilibrados e construtivos patriotismo e nacionalismo.
Maior pensador tradicionalista do Brasil ao lado de José Pedro Galvão de Sousa, na opinião do brilhante jusfilósofo espanhol Francisco Elías de Tejada y Spínola, Plínio nos legou obras religiosas da envergadura de “Primeiro, Cristo!”, “A Aliança do sim e do não” e de “Vida de Jesus”, que é “a jóia de uma literatura”, no dizer do Pe. Leonel Franca, havendo sido traduzida para diferentes idiomas e recebido os mais merecidos elogios da parte de diversos dos mais ínclitos escritores, críticos literários, religiosos e pensadores católicos d’aquém e d’além mar.
Os romances sociais em prosa modernista da lavra de Plínio Salgado, em especial o primeiro deles, “O estrangeiro”, receberam os maiores e mais justos elogios, ao longo das décadas, da parte de dezenas dos mais abalizados escritores e críticos literários do País e do exterior, de Monteiro Lobato a Wilson Martins, de Menotti Del Picchia a Tristão de Athayde, de Cassiano Ricardo a Jackson de Figueiredo, de Tasso da Silveira a Agripino Grieco, de Afrânio Peixoto a Amândio César, de Augusto Frederico Schmidt a Brito Broca, de Cândido Mota Filho a Augusta Garcia Rocha Dorea, de José Américo de Almeida a Fernando Whitaker da Cunha...
Outro romance de sua autoria é “A voz do Oeste”, poema em prosa ambientado no tempo dos bandeirantes e que configurou-se, segundo Juscelino Kubitschek, no “grito” que preparou a edificação de Brasília.
Se o tempo não me fosse tão escasso, trataria das grandes obras políticas e filosóficas de Plínio Salgado, que contêm páginas de impressionante atualidade, conforme observado por Miguel Reale, Gerardo Mello Mourão e tantos outros tão ilustres quanto estes ou um pouco menos.
Não cabe tratar aqui a respeito do Integralismo, o tão denegrido movimento cívico-político fundado por Plínio Salgado e que se configurou no primeiro “movimento de massas” da História do Brasil e no “mais fascinante grupo da inteligência do País”, no dizer de Gerardo Mello Mourão, reunindo dezenas e dezenas de intelectuais da mais alta envergadura, de Miguel Reale a Câmara Cascudo, de Gustavo Barroso a Goffredo Telles Junior e seu irmão, Ignacio da Silva Telles, de Alfredo Buzaid a San Tiago Dantas, de Adonias Filho a Hélder Câmara, de Tasso da Silveira a Gerardo Mello Mourão, de Augusto Frederico Schmidt a Guerreiro Ramos, de Dantas Mota a Rosalina Coelho Lisboa...
Sei – como sabia o Prof. Miguel Reale, ao escrever seu artigo intitulado “O centenário de Plínio Salgado” e publicado em “O Estado de S. Paulo” a 25 de fevereiro de 1995 – que meu pronunciamento não será capaz de fazer justiça ao grande brasileiro e paulista que foi Plínio Salgado, posto que só o tempo o fará. Mas também sei – como o saudoso autor de “O Estado Moderno” e de “Horizontes do Direito e da História” – que Plínio Salgado, assim como o Tenente Siqueira Campos, de quem era sincero admirador, sempre considerou que da Pátria nada se deve esperar, nem mesmo compreensão. E me resta o consolo de que o nome de Plínio Salgado, como afirmou Juscelino Kubitschek, perpetuar-se-á, “como um símbolo iluminando o futuro”.